name: Uma História Filosófica da Liberdade goal: Descobrir a evolução da liberdade ao longo dos tempos, desde filósofos antigos até desafios modernos. objectives:
- Analisar as filosofias políticas de liberdade e poder.
- Traçar as origens históricas da liberdade desde a Antiguidade até a Idade Média.
- Examinar o surgimento e declínio da liberdade do século 19 ao século 20.
Uma Jornada Pela História Filosófica da Liberdade
Uma História Filosófica da Liberdade explora a liberdade ao longo da história. Damien Theillier examina duas filosofias políticas: liberdade e poder. Ele analisa pensadores como Frédéric Bastiat, Lord Acton, Karl Marx e Murray Rothbard, lançando luz sobre suas visões sobre produção, pilhagem, luta de classes e o Estado.
O curso volta às origens da liberdade na Antiguidade, com os gregos e romanos, passando pela Idade Média, onde a liberdade humana é discutida em contextos religiosos e políticos. Mostra como as ideias de liberdade evoluíram com o nascimento das universidades e as primeiras formas de capitalismo nas cidades italianas.
Da Renascença ao Iluminismo, o curso examina o surgimento da liberdade, marcado pela tolerância religiosa e liberdade econômica, culminando em 1776 com eventos importantes como o Congresso da Filadélfia. Os séculos 19 e 20 testemunham o auge e declínio da liberdade, enfrentando críticas ao capitalismo e os perigos do coletivismo, colocando em perspectiva os desafios contemporâneos para a liberdade.
Introdução
Visão Geral do Curso
Bem-vindo ao curso PHI201!
Este curso convida você a explorar a evolução da liberdade ao longo da história, analisando as principais correntes de pensamento que a moldaram. Você descobrirá como o conceito de liberdade foi construído ao longo dos séculos, seja em oposição ou em colaboração com o poder, através de uma jornada histórica que vai da Antiguidade aos debates contemporâneos.
Seção 1: Liberdade ou Poder
Começaremos com uma visão geral das duas grandes filosofias políticas que marcaram
a história: liberdade e poder. Esta seção examinará as visões de pensadores como
Frédéric Bastiat sobre produção versus espoliação, Lord Acton que vê a liberdade
como o motor da história, Karl Marx com sua teoria da luta de classes, e Murray
Rothbard que opõe o Estado à sociedade. Esta introdução conceitual fornecerá
uma estrutura de análise para os períodos históricos.
Seção 2: As Origens da Liberdade: A Antiguidade
Aqui, retornaremos às raízes do pensamento filosófico com os gregos, que inventaram
a racionalidade crítica, e os romanos, que estabeleceram as bases do direito
moderno. Também examinaremos a queda de Roma como um momento decisivo que redefiniu
a organização política e social em torno da noção de liberdade.
Seção 3: As Origens da Liberdade: A Idade Média
A Idade Média é frequentemente vista como um período sombrio, mas descobriremos
que, na verdade, lançou as bases da liberdade moderna. Estudaremos a afirmação
da liberdade humana, os debates entre razão e fé, o nascimento do estado soberano,
a ética bíblica que valoriza o indivíduo e os primeiros esboços do capitalismo
que aparecem nesse período.
Seção 4: O Crescimento da Liberdade: Do Renascimento ao Iluminismo
Esta seção se concentrará no surgimento da tolerância religiosa e da liberdade
econômica, que ganharam força durante o Renascimento e o Iluminismo. Também analisaremos
a importância do ano de 1776, que marcou um ponto de inflexão importante com
eventos fundamentais para o mundo livre, antes de mergulharmos na era das revoluções
que redefiniram o próprio conceito de liberdade.
Seção 5: Apogeu e Declínio: Do Século XIX ao Século XX
Prosseguiremos estudando as transformações dos séculos XIX e XX, destacando as
forças e fraquezas da democracia, as críticas marxistas ao capitalismo e a resposta
austríaca a essas críticas. Também exploraremos os avisos sobre os perigos do
coletivismo através de obras importantes como "O Caminho da Servidão".
Seção 6: A Ascensão do Estado de Bem-Estar no Século XX
Por fim, esta seção examinará como o Estado de Bem-Estar progressivamente sobrepôs-se
às ideias de liberdade econômica, especialmente através do triunfo de Keynes
e do abandono do padrão-ouro. Concluiremos enfatizando a importância das ideias
na influência do curso da história e o papel que a liberdade ainda desempenha
em nossas sociedades modernas.
Pronto para embarcar nesta jornada filosófica única em busca da liberdade? Vamos lá!
Liberdade ou Poder
Só existem duas filosofias políticas
Por que intitular este curso: uma história da liberdade? Porque precisamos entender a relação entre ideias e eventos, para melhor julgar nossa era e agir com discernimento. É no passado que encontramos os elementos para uma melhor compreensão do que é a liberdade e as razões pelas quais devemos valorizá-la.
Quando o passado não ilumina mais o futuro, o espírito caminha na escuridão (Alexis de Tocqueville - Democracia na América.)
Ao mesmo tempo, Auguste Comte disse: "Não se conhece plenamente uma ciência
até que se conheça sua história." Esta verdade poderia ser aplicada à ideia
de liberdade. De fato, a liberdade não é uma ideia nova. É um legado
transmitido através das gerações. Toda a história da civilização testemunha
uma luta incansável pela liberdade. 
No entanto, o objetivo deste curso não é apenas lançar luz sobre a história da liberdade, mas também, e mais importante, desenvolver um julgamento crítico. De fato, a história por si só não é suficiente para julgar o presente e o futuro. É necessário acompanhá-la de reflexão crítica e um julgamento sobre os erros do passado. Esta é a contribuição da filosofia. É por isso que intitulei este curso: uma história filosófica da liberdade. Trata-se de explorar como os filósofos conceberam a liberdade ao longo dos tempos.
A tarefa da filosofia
Desde suas origens, tem um duplo propósito:
- Primeiramente, é dar sentido a conceitos vagos e confusos. O que é bom, verdadeiro, justo, belo? Assim como a função da história é iluminar o passado, a filosofia é a arte de definir corretamente os conceitos. É por isso que precisamos começar neste curso entendendo o que é liberdade.
A liberdade é um conceito que abrange uma multiplicidade de variantes, que são
tantas possíveis declinações da mesma realidade: liberdade política, liberdade
econômica, liberdade de consciência, de expressão, liberdade religiosa, liberdade
de associação, etc. Sobre que realidade estamos falando? A liberdade pode ser
simplesmente definida como o poder de escolha, com o que pertence a si mesmo.
É uma faculdade inerente ao ser humano. É uma realidade essencialmente individual.
Somente o indivíduo pode pensar e agir, ou seja, fazer escolhas. Isso não significa
que o indivíduo esteja sozinho, que ele não deva nada aos outros. Pelo contrário,
ele vive em sociedade e deve cooperar com os outros para o seu próprio bem. Mas
todos permanecem livres para cooperar ou não e devem assumir a responsabilidade
por suas escolhas.
A noção de responsabilidade é corolária à liberdade porque toda escolha tem consequências. A pessoa responsável é aquela que assume os custos de suas próprias escolhas e não transfere esse custo para os outros. Em outras palavras, a liberdade é exigente. É uma noção moral que implica direitos, mas também deveres para com os outros, incluindo o dever de respeitar a liberdade deles.
- Em segundo lugar, a filosofia é normativa, ao contrário da história, que é meramente descritiva. Assim, a filosofia política é distinta das ciências políticas. A filosofia política é normativa, significando que prescreve valores e julga as ações humanas por um critério de justiça. Por outro lado, as ciências políticas contentam-se em descrever regimes, fazer a história das instituições, sem fazer julgamentos de valor.
Filosofia da liberdade e filosofia do poder
Desta perspectiva, existem apenas dois tipos de filosofias políticas: a filosofia da liberdade e a filosofia do poder.
- A filosofia da liberdade é baseada no direito natural de propriedade e afirma que o único propósito da lei é proteger a propriedade privada e os contratos. Todos deveriam poder fazer o que desejam com o que lhes pertence, desde que não prejudiquem ninguém. É uma filosofia que defende a liberdade igual para todos de dispor de si mesmo e de sua propriedade sob a condição de responsabilidade. É a filosofia do mercado livre.
- A filosofia do poder justifica a autoridade de certas entidades coletivas como o Estado ou a sociedade para decidir os limites a serem colocados no mercado e na propriedade, e, portanto, na liberdade. Neste quadro, cabe à lei organizar a economia, saúde, habitação, cultura, educação... Esta filosofia construtivista sempre teve seus defensores, em nome do interesse coletivo, igualdade, proteção e bem-estar.
O antagonismo entre essas duas filosofias existe em todas as eras. Mas podemos ilustrá-lo com a filosofia do Iluminismo. Há claramente uma linha divisória entre dois tipos de pensadores.
Aqueles que defendem a primeira filosofia na França são os Fisiocratas, com François Quesnay à frente. Eles se chamam fisiocratas (o nome vem do grego Physis, que significa natureza, e Kratos, que significa regra) porque desenvolvem um pensamento econômico e social baseado nos direitos naturais do homem. Para eles, a sociedade, as pessoas e as propriedades existem antes das leis. Neste sistema, Bastiat explica,
Não é porque há leis que há propriedades, mas porque há propriedades que há leis. (Propriedade e Lei).
Para Turgot e Say, discípulos de Quesnay, existe uma lei natural, independente
dos caprichos dos legisladores, que é válida para todos os homens e antecede
qualquer sociedade. Esta filosofia vem diretamente da escolástica medieval, dos
estóicos, de Aristóteles e de Sófocles. As leis não escritas são tanto anteriores
quanto superiores às leis escritas porque derivam da natureza humana e da razão.
A segunda filosofia é encontrada entre autores como Rousseau, Robespierre ou
Kant, que encarnam a tradição republicana para a qual a soberania da vontade
geral é a verdadeira fonte do direito. Contemporâneo de Quesnay, Rousseau é um
anti-fisiocrata. Para ele, o legislador deve organizar a sociedade, como um mecânico
que inventa uma máquina a partir da matéria inerte. 
"Aquele que se atreve a empreender o estabelecimento de um povo", diz Rousseau, "deve se sentir capaz de mudar, por assim dizer, a natureza humana, de transformar cada indivíduo que, por si só, é um todo perfeito e solitário, em parte de um todo maior do qual este indivíduo recebe, de certa forma, sua vida e ser." (Contrato Social)
Dessa perspectiva, a missão do legislador é organizar, modificar, até mesmo abolir a propriedade se ele considerar bom. Para Rousseau, a propriedade não é natural, mas convencional, como a própria sociedade. Por sua vez, Robespierre estabelece o princípio de que "A propriedade é o direito de todo cidadão de desfrutar e dispor da porção de bens garantida a ele por lei." Não existe direito natural à propriedade; existem apenas um número indefinido de arranjos possíveis e contingentes.
Frédéric Bastiat: produção versus espoliação
Quando se abre os livros didáticos, Bastiat observou, aprende-se que a humanidade estaria condenada ao nada sem a intervenção do poder:
"Basta abrir, quase ao acaso, um livro de filosofia, política ou história para ver quão profundamente enraizada em nosso país está esta ideia, nascida dos estudos clássicos e mãe do Socialismo, de que a humanidade é uma matéria inerte recebendo do poder vida, organização, moralidade e riqueza; — ou pior, que a humanidade por si mesma tende para sua degradação e é apenas impedida nesta inclinação pela mão misteriosa do Legislador." (A Lei).
Em outras palavras, o preconceito cultural dominante na filosofia ocidental, bem como na historiografia, é que devemos tudo ao poder: liberdade, saúde, educação, segurança, prosperidade. A humanidade é descrita como "matéria inerte" que toma forma graças ao legislador.
Mas a realidade do poder é bastante diferente de acordo com Bastiat. O poder é opressão. Ele escreve: Abra os anais da humanidade ao acaso! Consulte a história antiga ou moderna, sagrada ou profana, e pergunte a si mesmo de onde vêm todas essas guerras de raça, classe, nações e famílias! Você sempre obterá esta resposta invariável: Da sede pelo poder. (Incompatibilidades Parlamentares) É a sede de poder que está na raiz de todas as formas de opressão na história. Em uma carta para a Sra. Chevreux, datada de 23 de junho de 1850, Bastiat delineia as fases da opressão: "Tempos de luta, sobre quem irá apoderar-se do Estado; e tempos de trégua que serão o reinado efêmero da opressão triunfante, um prenúncio de uma nova luta." Primeiro, a conquista do poder através da guerra, depois o estabelecimento de um Estado que subsiste saqueando a riqueza de seus cidadãos. A história é, assim, uma luta entre dois princípios: liberdade e opressão:
Liberdade! Isso é, no final, o princípio harmonioso. Opressão! Isso é o princípio dissonante; a luta desses dois poderes preenche os anais da humanidade. (Harmonias Econômicas, conclusão da edição original).
O que é opressão?
Em uma palavra, é pilhagem. Bastiat esboça os principais tipos de pilhagem que vêm das elites governantes: guerra, escravidão, teocracia e monopólio. De fato, segundo ele: "Existem apenas duas maneiras de adquirir o necessário para a preservação, embelezamento e melhoria da vida: PRODUÇÃO e PILHAGEM." (A Fisiologia da Pilhagem)
Qual é a diferença entre produção e pilhagem? Aqui está a resposta de Bastiat:
Para produzir, deve-se direcionar todas as suas faculdades para a dominação da natureza; pois é a natureza que deve ser combatida, domesticada e escravizada. É por isso que o ferro convertido em um arado é o emblema da produção. Para pilhar, deve-se direcionar todas as suas faculdades para a dominação dos homens; pois são eles que devem ser combatidos, mortos ou escravizados. É por isso que o ferro convertido em uma espada é o emblema da pilhagem. (Harmonias Econômicas, Guerra).
Em outras palavras, produção é poder sobre a natureza. Pilhagem é poder sobre os homens. No entanto, existem duas formas de pilhagem: legal e ilegal. Pilhagem ilegal é o roubo ou crime cometido por um cidadão contra outro. É a ação do bandido ou do vigarista. No entanto, a pior forma de pilhagem é aquela que é realizada por lei: "Há pessoas que pensam que a pilhagem perde toda a sua imoralidade desde que seja legal. Quanto a mim, não consigo imaginar uma circunstância mais agravante." (O que se Vê e o que não se Vê).
Bastiat nos diz que ainda existem duas formas de pilhagem legal:
A pilhagem externa é chamada de guerra, conquistas, colônias. A pilhagem interna é chamada de impostos, cargos, monopólios. (Cobden e a Liga, Introdução).
Em A Fisiologia da Pilhagem, ele elabora: A verdadeira e equitativa lei dos homens é: Troca livremente debatida de serviço por serviço. O saque consiste em proibir, pela força ou pelo engano, a liberdade de debate para receber um serviço sem prestar outro. O saque pela força é exercido da seguinte forma: Espera-se que um homem produza algo, então arranca-se isso dele, arma em punho. É formalmente condenado pelo Decálogo: Não roubarás. Quando acontece de indivíduo para indivíduo, é chamado de roubo e leva à prisão; quando é de nação para nação, é chamado de conquista e leva à glória.
História do Saque
Historicamente, as elites governantes sempre viveram do saque. Bastiat observa:
A força aplicada ao saque é a base dos anais humanos. Traçar sua história seria reproduzir quase inteiramente a história de todos os povos: Assírios, Babilônios, Medos, Persas, Egípcios, Gregos, Romanos, Godos, Francos, Hunos, Turcos, Árabes, Mongóis, Tártaros, sem mencionar os Espanhóis na América, os Ingleses na Índia, os Franceses na África, os Russos na Ásia, etc.
(Sofismas Econômicos, Conclusão do primeiro volume). O saque, em sua forma mais brutal, armado com tocha e espada, preenche os anais da história humana. Quais são os nomes que resumem a história? Ciro, Sesostris, Alexandre, Cipião, César, Átila, Tamerlão, Maomé, Pizarro, Guilherme, o Conquistador; este é o saque ingênuo através de conquistas. A ele pertencem os louros, monumentos, estátuas e arcos triunfais. (Harmonias Econômicas, conclusão da edição original). A história do mundo é a história de como um grupo de pessoas saqueou outras, muitas vezes sistematicamente, através de guerra, escravidão, teocracia. Atualmente, é o monopólio, ou seja, privilégios econômicos distribuídos pelo Estado aos seus clientes.
Poucos dias antes de sua morte em Roma em 1850, Bastiat confidenciou ao seu amigo Prosper Paillottet:
Uma tarefa importante para a economia política é escrever a história do Saque. É uma longa história na qual, desde o início, aparecem conquistas, migrações de povos, invasões e todos os excessos desastrosos da força em conflito com a justiça. De tudo isso, ainda há vestígios vivos hoje, e é uma grande dificuldade para a solução de questões colocadas em nosso século. Não chegaremos a essa solução até que tenhamos claramente estabelecido em que e como a injustiça, tomando sua parte entre nós, se enraizou em nossos costumes e em nossas leis.
(P. Paillottet, Nove Dias Perto de um Homem Moribundo)
Lord Acton: A Liberdade é o Motor da História
É sabido, a história é escrita pelos vencedores. A atenção é frequentemente focada na conquista do poder, nas vidas dos líderes no poder e nos conflitos que os opõem àqueles que desejam tomar seu lugar.
Isso é particularmente verdadeiro em relação aos livros didáticos destinados às escolas públicas e escritos por professores empregados pelo Estado. Este não é o caso de uma obra em dois volumes escrita por um historiador de Cambridge no século XIX, Lord Acton. Seu nome completo é John Emerich Edward Dalberg, Barão de Acton (1834-1902). Ele é o autor de História da Liberdade na Antiguidade e no Cristianismo. Sua obra é considerada uma das mais importantes sobre o assunto, e ele dedicou grande parte de sua carreira a ela. Sua obra, embora inacabada, é um poderoso alerta contra os perigos do abuso de poder, e sua defesa da liberdade e da responsabilidade individual permanece relevante hoje. Este autor é mais conhecido por sua máxima: "O poder tende a corromper, e o poder absoluto corrompe absolutamente." Uma fórmula que ecoa a de Montesquieu em O Espírito das Leis:
É uma experiência eterna que todo homem que tem poder é tentado a abusar dele.
Tese de Acton
Para Acton, o conflito entre liberdade e poder é o tema central da história humana, e a liberdade é a força motriz do progresso e da evolução das sociedades. Acton procurou entender os fatores que contribuíram para o surgimento da liberdade no Ocidente. Seu objetivo era identificar as condições necessárias para sua preservação e desenvolvimento. Ele estudou ideias filosóficas, estruturas sociais e contextos políticos que favoreceram seu surgimento ao longo do tempo.
Sua tese central é que "a liberdade é estabelecida pelo conflito de poderes." Segundo Acton, por séculos após a queda do Império Romano do Ocidente, a Igreja Católica foi a única força capaz de desafiar a autoridade dos senhores feudais, monarcas e imperadores. Esta luta de poder entre a Igreja e o Estado provou ser crucial para o surgimento da liberdade. A Europa tinha um Deus forte e um poder fraco, devido à contínua disputa, na Idade Média, entre papas e reis. Em contraste, a China tinha uma divindade fraca e um poder burocrático forte.
Por liberdade, entendo a garantia de que todo homem será protegido, quando fizer o que acredita ser seu dever, contra a influência da autoridade e das maiorias, do costume e da opinião. O Estado é competente para estabelecer deveres e para distinguir entre o bem e o mal apenas em sua própria esfera imediata.
(Lord Acton) Em outras palavras, a liberdade é o direito dos indivíduos de seguir sua própria consciência, e não é papel do estado ditar a conduta de uma pessoa em questões filosóficas, morais e religiosas. Friedrich Hayek inicialmente considerou nomear a Sociedade Mont Pelerin a "Sociedade Acton-Tocqueville", em homenagem a dois pensadores que ele profundamente admirava: Lord Acton e Alexis de Tocqueville. No final, foi o nome do local onde a primeira reunião da Sociedade foi realizada, Mont Pelerin na Suíça, que foi escolhido.
Voltaire e Condorcet
Mas a ideia de que a liberdade na Europa nasceu de lutas internas entre vários pretendentes ao poder, impedindo o estabelecimento de uma dominação absoluta, não é única de Acton. Já pode ser encontrada em pensadores como Voltaire e Condorcet.
Assim, Voltaire, em suas Cartas Filosóficas, atribui a liberdade inglesa a conflitos entre reis e nobres que impediram
qualquer concentração excessiva de poder. E ele observa: Se houvesse apenas
uma religião na Inglaterra, seu despotismo seria temido; se houvesse apenas
duas, elas cortariam a garganta uma da outra; mas há trinta, e elas vivem em
paz e felicidade. (Sobre os Presbiterianos) 
Condorcet, em seu Esboço para um Quadro Histórico dos Progressos do Espírito Humano, atribui a estrutura descentralizada de poder na Itália à rivalidade entre o papa e o imperador, o que permitiu a sobrevivência de muitas cidades-estado independentes.
Esta tese também é encontrada em uma obra monumental datada de 1983: Direito e Revolução: A Formação da Tradição Jurídica Ocidental, de Harold J. Berman (tradução francesa por Raoul Audouin, publicada pela Livraria da Universidade de Aix en Provence em 2002). A análise de Berman destaca o papel crucial do pluralismo jurídico na história do Ocidente. Este sistema, longe de ser uma mera fonte de complexidade, foi um motor de desenvolvimento, liberdade e inovação, moldando as tradições jurídicas ocidentais de forma duradoura.
Marx: História como Luta de Classes
No entanto, existe outra perspectiva sobre a história. Ela foi bastante
bem-sucedida e por muito tempo contou com o apoio de intelectuais ocidentais
e representantes do Sul Global. Esta é a visão socialista e marxista da
história. 
Ela explica o crescimento extraordinário da Europa principalmente através do progresso tecnológico combinado com a "acumulação primitiva" de capital, decorrente do imperialismo, escravidão, comércio triangular, expropriação de pequenos camponeses e a exploração da classe trabalhadora. A conclusão é clara. Esse crescimento europeu excepcional foi alcançado às custas de milhões e milhões de escravos e indivíduos oprimidos.
Inicialmente, Marx está certo sobre uma coisa: a história é a história das lutas de classes e exploração. A citação é bem conhecida, é a primeira frase do primeiro capítulo do Manifesto Comunista: "A história de toda a sociedade até nossos dias é a história das lutas de classes." Marx mesmo reconheceu que havia emprestado sua teoria da luta de classes de autores anteriores:
Não tenho crédito por descobrir as classes e as lutas de classes na sociedade moderna. Muito antes de mim, historiadores burgueses haviam descrito o desenvolvimento histórico desta luta de classes e economistas burgueses a anatomia econômica das classes.
(Carta a J. Weydemeyer, 5 de março de 1852).
Mas ele se engana em um ponto fundamental a respeito da classe trabalhadora: não é o capital que produz a exploração. Em outras palavras, a luta de classes não ocorre dentro da produção, mas entre aqueles que pagam impostos e aqueles que os coletam.
Segundo Marx, a exploração é um processo que consiste em extrair uma parte do valor criado pelo trabalhador sem pagar por ele, o que permite aos capitalistas obter lucro. Em outras palavras, a exploração seria um mecanismo que permite aos capitalistas enriquecerem roubando o trabalho do proletariado. Esta análise reflete um mal-entendido sobre o valor excedente e a natureza cooperativa e dinâmica da vida econômica. De fato, o lucro que o empreendedor recebe é uma compensação pelo risco que assume, e o trabalhador ou empregado não é um escravo. Em uma situação competitiva, eles podem aceitar ou recusar um contrato com seu empregador. Eles fazem uma escolha que reflete uma análise de custo-benefício.
A Revolução Industrial em Questão
Na verdade, a análise marxista distorce a realidade histórica da Revolução
Industrial. Ludwig von Mises esclareceu essa questão em seu tratado de
economia Ação Humana (veja especialmente o capítulo intitulado Interpretação Popular da Revolução Industrial), bem como em uma série de palestras publicadas sob o título: Política Econômica: Pensamentos para Hoje e Amanhã. (Também vale a pena ler, A Mentalidade Anticapitalista aqui e aqui). 
Mises explica que os empregos nas fábricas, embora miseráveis pelos nossos padrões, representavam a melhor oportunidade possível para os trabalhadores da época.
Vamos ler um trecho de Ação Humana:
Nas primeiras décadas da revolução industrial, os padrões de vida dos trabalhadores de fábrica eram escandalosamente baixos em comparação com as condições de seus contemporâneos das classes superiores, e comparados à situação atual das massas industriais. As horas de trabalho eram longas, as condições sanitárias das oficinas deploráveis. A capacidade de trabalho dos indivíduos se esgotava rapidamente. Mas o fato permanece, que para a população excedente que a apropriação de terras comuns de pastagem (cercamentos) havia reduzido à pior miséria, e para quem literalmente não havia lugar dentro do quadro do sistema de produção reinante, o trabalho na fábrica era a salvação. Essas pessoas se aglomeravam nas oficinas, pelo único motivo de que precisavam absolutamente melhorar seu padrão de vida.
Mises acrescenta que a melhoria da condição humana foi assim possível pela acumulação de capital:
A mudança radical na situação que conferiu às massas ocidentais o padrão de vida atual (um padrão de vida alto de fato, comparado ao que era nos tempos pré-capitalistas, e ao que é na Rússia Soviética) foi o efeito da acumulação de capital através da poupança e investimento sábio por empreendedores de visão. Nenhuma melhoria tecnológica teria sido alcançável se os capitais materiais adicionais necessários para o uso prático de novas invenções não tivessem sido viabilizados pela poupança prévia. Quanto à historiografia marxista, também podemos nos referir a Friedrich Hayek em Capitalismo e os Historiadores (University of Chicago Press, 1954) e seu capítulo intitulado "História e Política". Segundo Hayek, não foi a industrialização que tornou os trabalhadores miseráveis, como a lenda negra do capitalismo propagada pelo marxismo afirma. Ele observa: A verdadeira história da conexão entre capitalismo e o surgimento do proletariado é quase o oposto do que essas teorias da expropriação das massas sugerem. Antes da Revolução Industrial, a maioria das pessoas vivia em sociedades rurais e dependia da agricultura para sua sobrevivência. Tinham pouco para vender no mercado, o que limitava suas oportunidades e seu padrão de vida. Todos esperavam viver em absoluta pobreza e vislumbravam um destino semelhante para seus descendentes. Ninguém se indignava com uma situação que parecia ser inevitável.
Com o advento da industrialização, novas oportunidades surgiram, criando uma crescente demanda por mão de obra. Pela primeira vez, pessoas sem terra ou recursos significativos podiam vender seu trabalho para fábricas e manufaturas em troca de um salário, garantindo segurança para o futuro.
Esse novo acesso à renda permitiu que se alimentassem e se abrigassem, mesmo nas cidades que se expandiam rapidamente. Assim, a Revolução Industrial fomentou uma explosão populacional que não teria sido possível sob as condições de estagnação econômica da era pré-industrial.
É assim que, Hayek observa, "o sofrimento econômico tornou-se tanto mais visível quanto parecia menos justificado, porque a riqueza geral estava aumentando mais rápido do que nunca antes."
Portanto, o trabalhador não era explorado, mesmo que os salários fossem baixos, devido à abundância de mão de obra fugindo do campo.
Na realidade, exploração só faz sentido como uma agressão contra a propriedade privada. Nesse sentido, a exploração é sempre o ato do Estado. Pois o Estado é a única instituição que obtém suas receitas por meio da coerção, isto é, pela força. Assim, a verdadeira exploração, como vimos com Bastiat, é a das classes produtivas pela classe dos funcionários do estado. Seria mais preciso dizer que a história de toda a sociedade até os nossos dias não é nada além da história da luta entre saqueadores e as classes produtivas.
O "Milagre Europeu"
Posteriormente, uma análise histórica mais matizada do que a de Marx nos permite desafiar a ideia de uma Europa predatória, que deve seu sucesso exclusivamente ao imperialismo e à escravidão. Ao mergulhar na história econômica comparativa, alguns historiadores contemporâneos buscaram as origens do desenvolvimento da Europa no que a distinguia de outras grandes civilizações, particularmente as da China, Índia e Islã. Essas características foram exploradas por David Landes, Jean Baechler, François Crouzet e Douglass North. Esses pesquisadores tentaram entender o que é referido como o "milagre europeu". Eles focaram sua atenção no fato de que a Europa era um mosaico de jurisdições divididas e concorrentes, onde, após a queda de Roma, nenhum poder político central foi capaz de impor sua vontade.
Como Jean Baechler, membro da Academia de Ciências Morais e Políticas, diz em As Origens do Capitalismo (1971):
A primeira condição para a maximização da eficiência econômica é a libertação da sociedade civil do Estado (...) A expansão do capitalismo deve sua origem e razão de ser à anarquia política.
Em outras palavras, o grande "não-evento" que dominou o destino da Europa foi a ausência de um império hegemônico, como o que dominou a China. É essa Europa radicalmente descentralizada que produziu parlamentos, dietas e Estados-Gerais. Ela deu origem a cartas como a famosa Magna Carta dos ingleses, mas também produziu as cidades livres do Norte da Itália e da Flandres: Veneza, Florença, Gênova, Amsterdã, Gante e Bruges. Finalmente, desenvolveu o conceito de direito natural, bem como o princípio de que mesmo o Príncipe não está acima da lei, uma doutrina enraizada nas universidades medievais de Bolonha, Oxford e Paris, estendendo-se a Viena e Cracóvia. Em conclusão deste capítulo, o descolamento econômico e cultural da Europa não se deveu à conquista e exploração do resto do mundo. Ela dominou o mundo graças ao seu progresso econômico. O que foi chamado de "imperialismo" é a consequência, não a causa, do progresso econômico da Europa. Mas, para voltar a Lord Acton, o que distingue ainda mais a civilização ocidental de todas as outras é sua afirmação do valor do indivíduo. Nesse sentido, a liberdade de consciência, especialmente em questões religiosas, tem sido um pilar fundamental desta civilização. Voltaremos a isso na seção seguinte.
Murray Rothbard: Estado versus Sociedade
No último capítulo de Anatomy of the State (traduzido para o francês como L’anatomie de l’État, pelas edições Résurgence), Murray Rothbard propõe uma teoria da história. Este capítulo muito curto é intitulado: História, uma corrida entre o poder do estado e o poder social. Segundo Rothbard, a história pode ser entendida como um conflito perpétuo entre dois princípios fundamentais:
- Cooperação pacífica e produção, que representam a troca voluntária e a criação de riqueza através do trabalho e inovação.
- Exploração coercitiva e predação, encarnadas pela dominação do Estado, que se apropria dos frutos do trabalho dos indivíduos pela força.
Referindo-se a Albert J. Nock, Rothbard usa os termos "poder social" e "poder do estado" para designar essas duas forças opostas:
- Poder social: emerge da cooperação e engenhosidade de indivíduos livres, levando ao progresso econômico e prosperidade. É um poder sobre a natureza, a capacidade criativa do homem de transformar a natureza em recursos e conhecimento, para o bem coletivo da sociedade.
- Poder do estado: é imposto através da coerção e violência, buscando controlar e explorar a sociedade para seu próprio benefício. É um poder exercido sobre o homem. Consiste em "drenar os frutos da sociedade para o benefício de líderes não-produtivos (na verdade, anti-produtivos)."
O Estado como um Parasita
Rothbard considera o Estado como um parasita que vive às custas da sociedade produtiva. Ele apodera-se de "postos de comando" estrategicamente para apropriar-se de riqueza e poder. Monopólio da força, justiça, educação, infraestrutura. E ele acrescenta, "Na economia moderna, o dinheiro é o posto de comando essencial." Para Rothbard, o princípio da liberdade também deve se aplicar ao dinheiro. Se somos a favor da liberdade em outros setores, se queremos proteger a propriedade e a pessoa contra a intrusão do Estado, nossa tarefa mais urgente deve ser explorar a possibilidade de um mercado livre para o dinheiro. (Veja a este respeito seu ensaio: Estado, O Que Você Fez com Nosso Dinheiro? Tradução de Stéphane Couvreur para o Institut Coppet, 2011).
O Fracasso das Tentativas de Limitar o Estado
Rothbard alerta contra a ideia de que constituições escritas, por si só, poderiam garantir a liberdade e a limitação do poder: Os últimos séculos foram épocas em que os homens tentaram impor limites constitucionais e outros ao Estado, apenas para descobrir que tais limites, como todas as outras tentativas, falharam. De todas as muitas formas que os regimes assumiram ao longo dos séculos, de todos os conceitos e instituições que foram experimentados, nenhum conseguiu manter o Estado sob controle. Uma constituição escrita certamente tem muitas vantagens, mas é um erro grave assumir que seria suficiente. De fato, o partido majoritário, com seu poder, pode adotar uma interpretação extensiva para aumentar seu poder. Sem mecanismos concretos para fazer valer os direitos, e diante de um partido dominante determinado a estender seu poder, as constituições correm o risco de se tornarem ferramentas ineficazes e enganosas.
O Século 20: Um Século de Recuo
De acordo com Rothbard, a história não é um processo linear, mas sim uma oscilação entre o avanço do poder social e o ressurgimento do controle pelo Estado:
- Períodos de liberdade: quando o poder social floresce, a liberdade, a paz e a prosperidade aumentam.
- Períodos de dominação estatal: quando o Estado ganha a vantagem, levando à opressão, guerra e regressão.
Do século 17 ao século 19, em muitos países ocidentais, houve períodos de aceleração do poder social e um aumento correspondente na liberdade, paz e bem-estar material. Mas Rothbard nos lembra que o século 20 foi marcado por um ressurgimento do poder do Estado, com consequências terríveis: um aumento na escravidão, guerra e destruição:
Durante este século, a raça humana enfrenta, mais uma vez, o reinado virulento do Estado; o Estado agora armado com o poder criativo do homem, confiscado e pervertido para seus próprios fins. O que é, afinal, uma sociedade livre? É uma sociedade sem monopólio. Em sua obra de filosofia política, Ética da Liberdade (1982), Rothbard responde: "uma sociedade na qual não há possibilidade legal de agressão coercitiva contra a pessoa ou propriedade de um indivíduo." É por isso que, segundo ele, a filosofia política, que deve definir os princípios de uma sociedade justa, se resume a uma única pergunta: "Quem possui legitimamente o quê?"
Para Rothbard, a ordem social pode prevalecer se for o produto da generalização de procedimentos contratuais para a livre troca de direitos de propriedade, privatizando todas as atividades econômicas e até funções soberanas (banco central, tribunais) e recorrendo à competição entre agências de proteção.
E ele acrescenta:
Já experimentamos todas as variantes do estatismo, e todas falharam. Em todo o mundo ocidental no início do século 20, líderes empresariais, políticos e intelectuais começaram a pedir um sistema de economia mista "novo", de dominação estatal, no lugar do laissez-faire relativo do século anterior. Novas panaceias, atraentes à primeira vista, como o socialismo, o estado corporativista, o estado de Bem-Estar-Guerra, etc., foram experimentadas e todas falharam manifestamente. Os argumentos a favor do socialismo e do planejamento estatal agora aparecem como apelos por um sistema envelhecido, exausto e fracassado. O que resta para tentar senão a liberdade?
(Ética da Liberdade)
As origens da liberdade: Antiguidade
A invenção da racionalidade crítica pelos Gregos
A experiência da democracia ateniense deixou uma marca duradoura na história
do pensamento político e continua a inspirar ideais de democracia e
participação cidadã no mundo de hoje. 
A democracia ateniense era caracterizada por um debate público animado sobre os assuntos da cidade, que ocorria principalmente na ágora, o mercado. Esse modo de operação, baseado na razão e na discussão crítica, contrastava fortemente com práticas anteriores onde leis e costumes eram considerados sagrados e imutáveis, transmitidos pelos ancestrais e protegidos pelos deuses.
O nascimento da política com a cidade
A democracia ateniense representa uma ruptura importante com as tradições
passadas. De fato, em sociedades anteriores, não poderia haver "política" no
sentido de uma discussão sobre regras sociais, já que estas eram impostas de
maneira transcendente pelo mito. 
O historiador Jean-Pierre Vernant escreve:
A emergência da pólis constitui, na história do pensamento grego, um evento decisivo. Certamente, em termos de desenvolvimento intelectual e no âmbito das instituições, suas plenas consequências só seriam realizadas a longo prazo; a pólis passaria por múltiplos estágios, várias formas. No entanto, desde o seu advento, que pode ser colocado entre os séculos 8 e 7, marca um começo, uma verdadeira invenção; por meio dela, a vida social e as relações entre os homens assumem uma nova forma, cuja originalidade os gregos sentiriam plenamente. (...) O que o sistema da pólis implica antes de tudo é uma extraordinária preeminência da palavra sobre todos os outros instrumentos de poder. Torna-se a ferramenta política por excelência, a chave de toda autoridade no estado, o meio de comando e dominação sobre os outros. (...) Uma segunda característica da pólis é a natureza de plena publicidade dada às manifestações mais importantes da vida social. Poder-se-ia até dizer que a pólis existe apenas na medida em que um domínio público emergiu, em dois sentidos diferentes, porém interconectados do termo: um setor de interesse comum, em oposição a assuntos privados; práticas abertas, estabelecidas à luz do dia, em oposição a procedimentos secretos. (...) Doravante, discussão, argumentação, controvérsia tornam-se as regras do jogo intelectual, bem como do jogo político. O controle constante da comunidade é exercido sobre as criações da mente, bem como sobre as magistraturas do estado.
(Jean Pierre Vernant, As Origens do Pensamento Grego, Paris, P.U.F, 1962)
A palavra grega "pólis", que dá "política" em francês, significa a cidade-estado. Quando Aristóteles escreve que "o homem é por natureza um animal político", isso não significa que ele é feito para o poder. Por política, ele se refere à faculdade que os homens têm de deliberar na praça pública para determinar o que é justo e injusto.
Essa novidade se baseia na distinção fundamental entre dois termos na língua grega, "phusis" e "nomos", que designam dois tipos de leis:
- Phusis é a lei da natureza (que dá a palavra "física" em francês).
- Nomos é a lei humana (termo encontrado na palavra "autonomia", que significa "obedecer à própria lei"). A Cidade emerge com a ideia de que a lei (nomos) é de origem humana, que pode ser livremente modificada pelos humanos, ao contrário da natureza, e pode se aplicar a todos. Os gregos então se tornam conscientes da autonomia da ordem social e política em relação à ordem natural. Isso marca o surgimento da política: a discussão contínua sobre as próprias regras da vida social. A partir de agora, os problemas serão resolvidos por meio de ação concertada e não por uma ordem sagrada imutável. E Jean-Pierre Vernant acrescenta:
A razão grega é aquela que, de maneira positiva, reflexiva e metódica, nos permite agir sobre os homens, não para transformar a natureza. Dentro de seus limites como em suas inovações, ela é filha da cidade.
A Ideia de Liberdade Sob a Lei
A harmonia social não é produzida pela ação intencional dos deuses, mas pela obediência de todos os cidadãos à mesma lei impessoal. O poder não é mais assunto dos sacerdotes, tornou-se assunto de todos. Assim surge a noção de igualdade perante a lei: "isonomia", mas também a retórica. A maestria da fala era essencial para convencer os concidadãos em assembleias e tribunais.
Para Aristóteles, tirania é obediência a um homem, e liberdade é obediência à lei. Ele é creditado com esta citação:
Desejar o império da lei é desejar o reinado exclusivo da razão. Desejar, em vez disso, o império de um homem é adicionar o de uma fera selvagem, pois o desejo e a raiva distorcem o julgamento dos governantes, mesmo que sejam os melhores homens.
Segundo ele, as leis, sendo impessoais e permanentes, garantem justiça e igualdade para todos os cidadãos.
Cícero, o famoso orador e filósofo romano do século I a.C., retomou essa ideia: "Somos escravos das leis para que possamos ser livres" (De Republica, Livro III, capítulo 13). Neste trecho, Cícero desenvolve um argumento a favor de uma república governada por leis, em vez de por um homem ou um pequeno grupo de homens. A ideia da república é uma que vem da filosofia grega. Foi frequentemente contrastada com a democracia, considerada arriscada demais. Platão intitulou sua principal obra de filosofia política: A República, e ele julga a democracia muito severamente. Quando o povo governa, há um forte risco de impor a lei de seus desejos e confundir o bem com o agradável. Daí a trágica morte de Sócrates, condenado à morte por um júri popular, manipulado pelos sofistas. Platão aprendeu todas as lições disso.
Aristóteles usaria o termo república para designar a constituição justa, aquela que visa o interesse comum e trata os cidadãos como homens livres. Um verdadeiro regime de liberdade é aquele onde a lei é geral, igual para todos, anônima e não um comando pessoal.
A ideia de liberdade sob a lei também é encontrada no termo anglo-saxão "Rule of Law".
Liberdade Política
Pode-se dizer que os gregos inventaram o conceito de liberdade política, em oposição à dominação tirânica. Os gregos daquela época consideravam a escravidão uma instituição natural e que os escravos não tinham o mesmo status que os cidadãos. Isso pode parecer contraditório à ideia de liberdade, mas para eles, a liberdade estava ligada à cidadania e não à ausência de escravidão.
Heródoto, em Historia e Ésquilo em sua tragédia Os Persas, ilustram brilhantemente o contraste entre a monarquia absoluta e tirânica de Xerxes e o espírito de liberdade dos gregos. Este povo, caracterizado pela ausência de mestres e pela recusa em se submeter à escravidão por bárbaros, não importa quão numerosos, encontra sua força na lei, o "nomos", seu verdadeiro mestre que garante sua liberdade. E esta lei emana da vontade de todos.
Segundo Jacqueline de Romilly: Os próprios gregos parecem ter medido essa originalidade e se conscientizado dela no início do século 5 a.C., no choque que os opôs aos invasores persas. E o primeiro fato que os impressionou foi que havia uma diferença política entre eles e seus adversários, que comandava tudo o mais. Os persas obedeciam a um soberano absoluto, que era seu mestre, a quem temiam e diante do qual se prostravam: essas práticas não eram comuns na Grécia. Há um diálogo surpreendente em Heródoto, que opõe Xerxes a um ex-rei de Esparta. Este rei anuncia a Xerxes que os gregos não se renderão porque a Grécia sempre luta contra a escravidão a um mestre. Lutará, não importa o número de seus adversários. Pois, se os gregos são livres, "eles não são livres em tudo: eles têm um mestre, a lei, a qual temem ainda mais do que seus súditos temem você." (Grécia Antiga na Descoberta da Liberdade, Paris, Edições de Fallois, 1989)
Heródoto está convencido de que um povo de homens livres é um povo que obedece a uma lei e não a um mestre, como no império persa onde apenas um homem é livre e todos os outros são escravos. Isso é verdade para Atenas, uma democracia, mas também é verdade para Esparta. O rei não cria a lei, ele não impõe sua vontade. Ele assegura o respeito pela lei, está a seu serviço e morre, se necessário, para defendê-la.
A Busca pela Verdade e pelo Pluralismo
Afastando-se do pensamento mitológico, Tales, Anaximandro, Anaxímenes, e mais tarde Demócrito e Empédocles, foram os primeiros a buscar entender a phusis (natureza) através da razão e não por entidades sobrenaturais.
O princípio fundamental proposto por esses primeiros filósofos pré-socráticos é que os elementos do kosmos (o universo) se mantêm no lugar porque estão todos igualmente sujeitos à mesma "lei da natureza" (phusis) que pode ser declarada de maneira universal e necessária. O universo é racional, constitui um todo estruturado, que o homem pode descobrir com sua razão (o "logos" em oposição ao "mutos", o mito).
Segundo Karl Popper, devemos aos filósofos da Grécia antiga, particularmente os pré-socráticos, a invenção do racionalismo crítico, ou seja, a tradição ocidental de discussão crítica, fonte do pensamento científico e do pluralismo. Ele explica isso em um capítulo de Conjecturas e Refutações intitulado "Retorno aos Pré-Socráticos": Quanto aos primeiros sinais da existência de uma atitude crítica, de uma nova liberdade de pensamento, eles aparecem na crítica de Anaximandro a Tales. Este é um fenômeno bastante singular, o pensador que Anaximandro critica é seu mestre, seu compatriota, um dos Sete Sábios, aquele que fundou a Escola Jônica. Segundo a tradição, Anaximandro tinha apenas quatorze anos a menos que Tales, e provavelmente formulou suas críticas e apresentou seus novos conceitos durante a vida de seu mestre (eles morreram, parece, poucos anos separados). No entanto, nenhuma evidência de dissensão, disputa ou cisma é encontrada nas fontes.
Estes elementos indicam, segundo ele, que foi Tales quem originou essa nova tradição
de liberdade, baseada em uma relação original entre mestre e discípulo. Tales
foi capaz de tolerar críticas e, mais ainda, estabeleceu a tradição de reconhecê-las.
Popper identifica aqui uma ruptura com a tradição dogmática, que permite apenas
uma única doutrina escolar, para substituí-la por pluralismo e falibilismo.
Nossas tentativas de compreender e descobrir a verdade não são definitivas, mas são capazes de melhoria, nosso conhecimento, nosso corpo doutrinário são conjecturais por natureza, são feitos de suposições, hipóteses, e não de verdades certas e finais.
O único meio que temos para nos aproximar da verdade são a crítica e a discussão. Da Grécia antiga, portanto, vem esta tradição:
Que consiste em formular conjecturas ousadas e exercer crítica livre, uma tradição que estava na origem da abordagem racional e científica e, consequentemente, desta cultura ocidental que é nossa e a única que é fundada na ciência mesmo que, obviamente, esta não seja sua única base.
A invenção do direito pelos Romanos
O Império Romano era uma vasta entidade cosmopolita. No seu auge, por volta de 117 d.C., era um imenso estado multiétnico e multilíngue:
- No oeste, estendia-se da Grã-Bretanha (atual Inglaterra) até a Espanha, passando pela Gália (atual França) e o norte da África.
- No norte, alcançava o Reno e o Danúbio, abrangendo partes da Alemanha, Países Baixos, Suíça, Áustria, Hungria, Romênia e Bulgária.
- Ao sul, fazia fronteira com o Mar Mediterrâneo, incluindo Itália, Grécia, os Bálcãs, Ásia Menor (atual Turquia), Síria, Líbano, Palestina, Egito e Cirenaica (parte da atual Líbia).
- A leste, estendia-se até a Mesopotâmia (atual Iraque) e Armênia.
A partir de então, os romanos avançaram o desenvolvimento do direito muito além dos gregos, que viviam em pequenas cidades-estado etnicamente homogêneas. Já sob a República Romana, havia proteção legal da propriedade e dos direitos individuais.
De fato, a função do direito era tornar possível a coabitação pacífica e a troca entre as pessoas, delineando os limites do "meu" e do "seu".
A propriedade privada assumiu uma nova dimensão na civilização romana que não havia conhecido antes, mesmo na civilização grega.
O direito romano se tornaria a fundação de todas as leis ocidentais modernas durante a Idade Média e até os nossos tempos.
A proteção dos direitos individuais
Finalmente, o direito romano deu grande importância aos direitos e liberdades dos indivíduos, e os cidadãos romanos orgulhavam-se de seu status de cidadão. A Lei das Doze Tábuas (450 a.C.) constituiu o primeiro corpus de leis escritas acessíveis a todos os cidadãos romanos, tanto patrícios quanto plebeus. Esta codificação ajudou a esclarecer e padronizar o direito, que anteriormente era disperso e muitas vezes costumeiro, garantindo um certo nível de transparência na aplicação do direito de casar, comprar, vender, etc.
Esta lei corresponde de forma surpreendente aos direitos naturais fundamentais como teorizados por John Locke dois mil anos depois. Ela permite a proteção dos direitos individuais contra a arbitrariedade e abusos de poder.
Certamente, mulheres, escravos e estrangeiros ainda estavam excluídos da proteção plena da lei. No entanto, a Lei das Doze Tábuas representou um progresso significativo e uma base para o desenvolvimento posterior dos direitos individuais estendidos a todos. A Lei das Doze Tábuas coloca uma importância particular nos direitos de propriedade:
- Ela define os diferentes tipos de propriedade (terra, móveis, etc.)
- Ela divide a propriedade em usus (direito de uso), fructus (direito de receber os frutos) e abusus (direito de alienar)
- Ela especifica as condições para a aquisição, transmissão e proteção desses bens.
Em resumo, ela contribui para a segurança das transações e protege os indivíduos contra expropriações arbitrárias, com a possibilidade de recurso em caso de disputa.
O Nascimento do Humanismo e da Vida Privada
O que alguém é depende do que possui. Ser não é tão independente de ter como às vezes se diz, porque o que possuímos nos distingue do que os outros possuem. E nossa vida nos pertence, primeiro possuímos nossas faculdades, nosso corpo antes de possuir bens materiais.
Na sociedade romana, cada um podia cada vez mais se diferenciar dos outros e assim se tornar o ator de sua própria vida. O homem agora desempenha um papel único, e Cícero usa a palavra "persona" para designá-lo. A "persona" era uma máscara usada pelos atores romanos, mas também se referia à personalidade legal e social de um indivíduo. A noção de persona implicava que os indivíduos eram entidades distintas com seus próprios direitos e responsabilidades. O conceito da pessoa humana individual (o ego) com sua vida interior e destino único nasceu, e se desenvolveria com o Cristianismo.
Além disso, a literatura e a filosofia romanas contêm muitos exemplos de reflexões sobre a natureza do indivíduo, felicidade, sabedoria e vida em sociedade.
Sêneca e a Vida Feliz
Um modelo de equilíbrio no pensamento é Sêneca, um filósofo estoico romano que escreveu sobre a importância da virtude, razão e autocontrole. Contemporâneo de Jesus, ele foi ao mesmo tempo um tutor de Nero, um banqueiro rico e um famoso escritor romano.
O Tratado sobre a Vida Feliz (De Vita Beata) é um apelo à moral estoica. A felicidade, diz Sêneca, "é uma alma livre [...] inacessível ao medo [...] para quem o único mal é a indignidade moral." Discípulo de Sócrates, o sábio estoico não teme o mal físico, a morte ou mesmo sofrer injustiça. Para ele, o único mal é o mal moral. Portanto, o bem supremo reside na virtude.
No entanto, o prazer não é incompatível com a virtude:
Os antigos prescreveram viver a melhor vida, não a mais agradável, de tal maneira que o prazer não é o guia da vontade correta, mas seu companheiro na estrada.
É por isso que o sábio não rejeita os presentes da fortuna:
Ele não ama as riquezas, ele as prefere; ele não as acolhe em seu coração, mas em sua casa; ele não rejeita o que possui, ele domina-as e quer que elas forneçam à sua virtude matéria ampla.
Sêneca vai ainda mais longe. Para o sábio, as riquezas são a ocasião e o meio de exercer a virtude: Na pobreza [...] há apenas um tipo de virtude: não vacilar ou deixar-se deprimir; em meio à riqueza, a temperança, generosidade, discernimento, economia e magnificência têm livre curso.
O Conceito de uma Lei Superior
O termo "direitos humanos", ao qual muitos juristas se unem, inscreve-se implicitamente na ideia de uma lei superior porque visa direitos ligados à própria humanidade antes de qualquer legislação positiva. Sem essa norma moral superior, não haveria mais uma autoridade crítica capaz de interpretar e questionar a ordem legal. Esta ideia nos lembra que o Príncipe (assim como os líderes políticos) não possui a justiça em si, mas está sujeito a uma lei que o ultrapassa e deve regular seu julgamento. Isso é o que os filósofos da Antiguidade, especialmente os Romanos como Cícero ou os Estóicos, chamavam de lei natural. Suas origens podem ser encontradas no pensamento grego, com Sófocles e Aristóteles.
Aristóteles distingue entre justiça natural e justiça legal. Justiça natural é o que é universalmente válido, em todo lugar e em todos os tempos. É uma lei não escrita, conhecida através da razão. Justiça legal é o que é em si indiferente, mas torna-se obrigatório para todos como resultado de uma escolha convencional e é escrita em um texto legal. Em outras palavras, faz-se uma distinção entre lei natural e lei positiva.
O dramaturgo Sófocles, em sua peça Antígona, encena um conflito entre a lei divina e a lei humana. Antígona recusa obedecer ao decreto do Rei Creonte que proíbe o enterro de seu irmão, argumentando que as leis divinas, imutáveis e superiores, têm precedência sobre as leis humanas.
Quando Antígona desobedece a Creonte, ela se opõe à lei positiva para obedecer à sua consciência moral e religiosa. Se existe apenas a lei positiva, diz Aristóteles, Creonte está sempre certo, mesmo quando está errado. Mas se mantivermos a ideia reguladora de uma lei natural ou divina, Antígona pode se levantar quando chegar a hora e invocar contra uma lei injusta, o direito superior da lei não escrita.
Cícero e a Lei Natural
Cícero viveu no século 1 a.C. e é considerado o maior orador da língua latina sob o Império Romano. Ele também é um filósofo moral e político próximo aos Estóicos. Seus ensaios foram lidos por europeus educados por muitos séculos.
Em seu tratado Sobre as Leis (De Legibus), ele reflete
sobre o fundamento da lei. Segundo ele, a lei positiva, o conjunto de
convenções ou leis escritas adotadas por uma sociedade, não pode estabelecer
uma justiça digna desse nome. Existe uma justiça natural, inscrita na razão
humana: "a lei tem um fundamento na própria natureza." Dizer que justo e
injusto são o resultado de uma convenção é dizer que a verdade é decretada.
No entanto, a verdade não pode ser decretada, mesmo pela maioria, ela guia
nossos julgamentos. Cícero também rejeita a utilidade como fundamento da
lei. De fato, ele escreve:
Se a justiça é a obediência às leis escritas e às instituições dos povos e se, como aqueles que a mantêm dizem, a utilidade é a medida de todas as coisas, ele desprezará e quebrará as leis, quem acredita ver sua vantagem nisso. Assim, não mais justiça, se não há uma natureza de justiça em ação; se ela se baseia na utilidade, outra utilidade a derruba. Se, portanto, o direito não repousa sobre a natureza, todas as virtudes desaparecem. O que se torna, de fato, da liberalidade, amor à pátria, respeito pelas coisas que devem ser sagradas para nós, a vontade de servir aos outros, a disposição para reconhecer serviço prestado? Todas essas virtudes surgem da inclinação que temos de amar os homens, que é o fundamento da lei.
Portanto, segundo ele, existe uma justiça universal, inscrita na razão e na natureza. Cícero escreve no De Republica: A verdadeira lei é a razão correta em acordo com a natureza; é de aplicação universal, inalterável e eterna; convida ao dever por seus comandos e afasta do caminho errado por suas proibições […]. Nem o Senado nem o povo têm o poder de nos dispensar de obedecê-la […]. Não é uma coisa em Atenas e outra em Roma, não é uma coisa hoje e outra amanhã. Mas é uma única e mesma lei, eterna, imutável, em vigor em todos os tempos e entre todos os povos […]. Quem não obedece a esta lei foge de si mesmo e despreza sua própria natureza humana. Esta lei é superior às legislações em vigor, portanto, "não pode ser invalidada por outras leis, nem qualquer um de seus preceitos pode ser derrogado, nem pode ser totalmente abrogada", acrescenta Cícero. O poder político não tem domínio sobre ela.
Nem a verdade nem a justiça podem ser decretadas, mesmo pela maioria, pois caso contrário, tornam-se objeto de todas as manipulações. Portanto, mesmo que o governante seja o povo, não é correto transgredir os princípios do direito natural. Ao afirmar que a lei não pode ser reduzida apenas aos estatutos promulgados pelo legislativo, Cícero visava combater a arbitrariedade legislativa e propor uma moralidade política. Esta ideia teve uma influência duradoura no pensamento ocidental.
A Queda de Roma
Por que Roma declinou e, finalmente, caiu? Muitos gostam de pensar que o Império Romano colapsou subitamente, sob o impacto das invasões bárbaras. No entanto, as causas do colapso do Império Romano devem ser encontradas muito antes, no imperialismo e no dirigismo econômico e monetário.
Em 1734, em suas Considerações sobre as Causas da Grandeza dos Romanos e de Sua Decadência, Montesquieu desenvolveu uma tese original e unificada para explicar a ascensão e queda do poder romano: a liberdade ganha sob a República e depois perdida sob o Império. A partir do momento em que a dominação romana se expandiu, a liberdade foi perdida e a decadência se instalou.
O Império Romano era um regime militar parasitário, que só poderia sobreviver através de um constante influxo de riquezas saqueadas de fora, prisioneiros reduzidos à escravidão e terras roubadas.
De fato, o enriquecimento da aristocracia romana veio apenas dos espólios das invasões e não de qualquer criação de valor. Mas com o fim das conquistas e os retornos decrescentes do saque, a administração teve que recorrer cada vez mais a aumentos de impostos para satisfazer sua necessidade de riqueza, o que levou a um empobrecimento geral da população do Império.
Pão e Circo
Por volta de 140, o historiador romano Fronto escreveu:
A sociedade romana está primordialmente preocupada com duas coisas, seus suprimentos de alimentos e seus espetáculos.
Lutas de gladiadores, corridas de bigas e apresentações teatrais, muitas vezes gratuitas, atraíam grandes multidões e permitiam que as elites ganhassem o favor do povo. O poder fornecia jogos aos seus cidadãos, mas também trigo, pão, porco e azeite de oliva. Esta estratégia servia como uma estratégia política para aliviar as tensões sociais, desviar a atenção dos problemas econômicos e fortalecer o poder dos imperadores.
Sob o reinado do Imperador Antonino Pio (de 138 a 161), a burocracia romana atingiu proporções gigantescas. Mas, como as receitas fiscais não eram suficientes para financiar a administração e as guarnições, os imperadores começaram a emitir cada vez mais moeda, reduzindo a quantidade de prata em cada moeda. O Denário, a principal moeda de Roma, viu seu conteúdo de prata cair de 100% para 0,5% entre 235 e 284 d.C. Com a desvalorização da moeda, os preços aumentaram incontrolavelmente, levando a uma diminuição no consumo, comércio e confiança. A queda do Império Romano foi um processo lento, diretamente ligado à falência de um sistema monetário corrupto. A hiperinflação que se seguiu causou o colapso da economia e levou à perda de confiança das pessoas na moeda.
Então, a instabilidade política foi adicionada à instabilidade econômica, com mais de 50 imperadores diferentes no trono em 50 anos.
Controle de Preços
Um exemplo clássico de intervencionismo surgiu em Roma quando o Imperador Diocleciano quis limitar os preços. Intervencionismo é definido como a ação de um poder que vai além de seu papel de manter a ordem e proteger os cidadãos. É uma tentativa de controlar o mercado, visando modificar preços, salários, taxas de juros e lucros.
As emissões monetárias repetidas por sucessivos imperadores para lidar com o aumento dos gastos militares haviam causado um aumento nos preços. Em 301, Diocleciano proclamou o Edito Máximo numa tentativa de limitá-los. Foi um fracasso.
Ludwig von Mises descreve este episódio, que bem ilustra os efeitos nocivos do intervencionismo: O Imperador Romano Diocleciano é bem conhecido por ter sido o último imperador romano a perseguir os cristãos. Os imperadores romanos, na última parte do terceiro século, tinham apenas um método financeiro, que era desvalorizar a moeda. Nestes tempos primitivos, antes da invenção da imprensa, a inflação em si era primitiva, por assim dizer. Envolveu fraude na cunhagem de moedas, especialmente prata, até que a cor da liga foi alterada e o peso significativamente reduzido. O resultado dessa desvalorização das moedas, juntamente com o aumento correspondente na circulação, foi uma elevação nos preços, seguida por um edicto de controle de preços. E os imperadores romanos não hesitaram em aplicar as leis; eles não consideravam a morte uma penalidade severa demais para um homem que havia pedido um preço alto demais. Eles impuseram controles de preços, mas como consequência, derrubaram a sociedade. Isso eventualmente levou à desintegração do Império Romano e também ao colapso da divisão do trabalho. (Política Econômica, Reflexões para Hoje e Amanhã)
Do Liberalismo ao Socialismo
Seguindo os passos de Montesquieu, Philippe Fabry demonstra que Roma experimentou uma trajetória do liberalismo ao socialismo. Philippe Fabry é um historiador do direito, instituições e ideias políticas. Ele lecionou na Universidade de Toulouse 1 Capitole e é autor de vários livros, incluindo Roma, do Liberalismo ao Socialismo, 2014.
Roma foi a maior potência liberal do mundo antigo? Ela então caiu em uma forma de socialismo? Vamos primeiro definir os termos:
Liberalismo: confiança na ação dos indivíduos, produzindo uma ordem espontânea, apenas porque resulta de suas interações voluntárias, através do livre jogo do mercado e do respeito pelos seus direitos inalienáveis.
Socialismo: a organização pelo Estado da sociedade considerada como um todo, através do planejamento da produção e consumo. A tese do livro de Philippe Fabry é que "a queda do Império Romano é a consequência do impasse em que o socialismo imperial havia conduzido o mundo antigo." Foi o dirigismo do estado imperial romano que levou ao seu colapso. A República Romana, que foi a maior potência liberal do mundo antigo, durou de 510 a.C. a 23 a.C., quase 500 anos. No entanto, gradualmente, a colegialidade cívica que caracterizava a República Romana desapareceu em favor do poder pessoal encarnado pelos imperadores que adotaram o estilo de governo dos potentados orientais do antigo Egito e da Pérsia. Rompendo com uma política externa anteriormente moderada, Roma subjugou subitamente vastas populações através da guerra, fornecendo fluxos de escravos para ricos investidores romanos, arruinando as classes médias. Em troca, a população romana exigia cada vez mais subsídios.
Nos primeiros dias de sua grandeza, cada romano se considerava como a principal fonte de sua renda. O que ele poderia adquirir voluntariamente no mercado era a fonte de seu sustento. O declínio de Roma começou quando um grande número de cidadãos descobriu outra fonte de renda: o processo político ou o estado redistributivo.
Os romanos então abandonaram a liberdade e a responsabilidade pessoal em troca de promessas de privilégios e riqueza distribuídos diretamente pelo governo. Os cidadãos adotaram a ideia de que era mais vantajoso obter renda por meio político do que através do trabalho.
Philippe Fabry resume:
as fraquezas observadas do sistema imperial […] são aquelas de todos os regimes totalitários: "Prioridade absoluta dada à manutenção do sistema em vigor, ineficiência na produção econômica, corrupção, nepotismo.
E ele acrescenta:
No total, a vida econômica, política, artística e religiosa sob o Império Romano no século 4 deve ter sido bastante semelhante ao que era sob Brezhnev na URSS (e nos piores momentos sob Stalin) ou ao que pode ser hoje na Coreia do Norte: toda a população do mundo romano era regimentada pelo socialismo imperial e sofria, direta ou indiretamente, seus efeitos.
As origens da liberdade: a Idade Média
A afirmação da liberdade humana
A ideia cristã de liberdade desenvolveu-se na teologia medieval de Santo Agostinho no século 4, até São Tomás de Aquino no século 13. Qual é essa ideia?
A liberdade está implicada na ideia de pecado
Desde o início, o Cristianismo ensina que o pecado é uma questão pessoal, não inerente ao grupo, mas que cada indivíduo deve assumir a responsabilidade pela própria salvação. "Deus dotou sua criatura, com livre arbítrio, a capacidade de errar e, com isso, a responsabilidade pelo pecado," afirma Santo Agostinho em seu tratado sobre o livre arbítrio, De Libero Arbitrio. O pecado não pode existir sem liberdade. De fato, o Deus cristão é um juiz que recompensa a "virtude" e pune o "pecado". Mas esta concepção de Deus é precisamente incompatível com o fatalismo porque uma pessoa não poderia ser culpada e fazer seu mea culpa se não fosse primeiro livre para determinar seu próprio comportamento. Reconhecer a própria falta moral, a própria culpa, é reconhecer que se poderia ter agido de maneira diferente. "Por que fazemos o mal?" pergunta Santo Agostinho. Se não estou enganado, o argumento mostrou que agimos dessa maneira através da livre vontade. Mas essa livre vontade à qual devemos nossa capacidade de pecar, estamos convencidos, me pergunto se Aquele que nos criou fez bem em nos dar. Parece, de fato, que não teríamos sido expostos ao pecado se tivéssemos sido privados dela; mas teme-se que, dessa forma, Deus também apareça como o autor de nossas más ações. (De libero arbitrio, I, 16, 35.)
Se Deus queria que o homem pudesse fazer o mal, Ele não é então indiretamente responsável pelo mal? Por que Deus quis a possibilidade do mal? Santo Agostinho responde:
a livre vontade sem a qual ninguém pode viver bem, você deve reconhecer que é um bem, e que é um dom de Deus, e que aqueles que fazem mau uso deste bem devem ser condenados em vez de dizer daquele que o deu que ele não deveria ter dado.
A resposta de Santo Agostinho ao problema é dizer que Deus é responsável pela possibilidade do mal, mas não por sua realização. Ele quer a possibilidade do mal porque essa possibilidade é necessária para a liberdade sem a qual não há responsabilidade, ou seja, não há acesso à dignidade da vida moral.
Mas a realização do mal moral é obra do homem, que faz mau uso de sua liberdade, e não de Deus que quer que o homem escolha o bem.
Em resumo, a liberdade é um bem porque permite que alguém se ordene para o bem e para Deus que é o bem absoluto, mas necessariamente e simultaneamente implica a possibilidade de escolher o mal e rejeitar Deus.
Deus não faz o bem em nosso lugar
Na teologia medieval, a providência não é uma intervenção constante de Deus
na vida dos homens, como se Deus agisse em nosso lugar e sem nosso
consentimento. Pelo contrário, Deus dá a cada criatura, de acordo com sua
natureza, faculdades que lhe permitem prover a si mesma e assim alcançar seu
pleno desenvolvimento. Deus não faz o bem pela criatura em seu lugar. 
E quanto mais subimos na escala dos seres, do mineral ao homem, mais Deus delega à sua criatura o poder de agir por conta própria. Ele confia ao homem a liberdade de governar a si mesmo e governar o mundo com sua razão, de acordo com a virtude da prudência.
Assim, Santo Tomás escreve (Summa contra Gentiles, III, 69 e 122):
Tirar da perfeição das criaturas é diminuir a perfeição do poder divino (...) Deus é ofendido por nós apenas porque agimos contra nosso próprio bem.
A providência, portanto, nos dá os meios para sermos nossa própria providência. E ele acrescenta:
Um homem pode dirigir e governar suas ações. Portanto, a criatura racional participa da providência divina não apenas sendo governada, mas também governando.
Para que o homem faça o melhor uso possível de sua liberdade, Deus lhe dá uma ferramenta que é sua razão e um manual para iluminá-lo que é a lei natural.
A lei natural se expressa em nós através de inclinações como o amor pela verdade, a obediência à razão, ou a famosa regra de ouro: "Não faça aos outros o que você não quer que façam a você." Essas inclinações são, segundo ele, inatas. De fato, Santo Tomás escreve, "deve-se considerar que a justiça natural é aquela para a qual a natureza do homem inclina." No entanto, essa luz interior não é suficiente para agir bem. É necessário o desenvolvimento de normas concretas de ação e sua aplicação a situações específicas. Cabe então aos juristas definir essas normas, de acordo com o direito natural: essas são as leis humanas. Mas o direito natural é superior à lei humana e impõe-se universalmente, inclusive sobre os Príncipes. Segundo Santo Tomás:
Por meio do conhecimento do direito natural, o homem acessa diretamente a ordem comum da razão, antes e acima da ordem política à qual pertence como cidadão de uma sociedade particular. Portanto, existe um direito anterior à formação do Estado, um conjunto de princípios gerais que a razão pode articular estudando a natureza do homem como Deus o criou. Este direito impõe-se ao monarca, ao poder, que deve então respeitá-lo. E as leis promulgadas pela autoridade política são vinculativas apenas na medida em que se conformam ao direito natural.
Razão e fé: uma competição aberta
Na Idade Média, razão e fé competem pelo acesso à verdade. Seguindo Abélard e Alberto Magno, Tomás de Aquino, no século XIII, optou por defender os direitos da razão e sua autonomia em relação à fé.
Ele retira do pensamento de Aristóteles a ideia de uma ordem natural autônoma, independente da ordem celestial. Esta ordem natural é de fato transcendida pela ordem sobrenatural, mas existe separadamente e é anterior a ela. Portanto, para ele, existem duas maneiras de acessar a verdade sobre o mundo e particularmente sobre Deus:
- Por um lado, a razão, que parte da natureza, da experiência sensível, que desenvolve ideias e alcança certezas racionais através de seu raciocínio.
- Por outro, a fé que parte de uma Revelação, ou seja, um texto sagrado inspirado por Deus. A abordagem é oposta, não é a realidade ou uma característica humana (pensamento) que leva a certezas, mas verdades dadas de cima por Deus que explicarão a realidade.
Como então reconciliar os dois? Na Idade Média, podem ser identificadas duas tradições de articulação da relação entre razão/fé: o misticismo e o racionalismo religioso.
A rivalidade entre misticismo e racionalismo religioso
O misticismo consiste em excluir a razão da fé. A fé é absoluta, além do raciocínio, e nunca deve ser submetida à razão. Se contradiz a razão, isso é normal, e tentar encaixar verdades reveladas no quadro da razão é heresia. Deus está bem além da razão, em outras palavras, não há ponto em tentar explicá-Lo. Portanto, a filosofia é muito mal vista. Deus estaria até além da linguagem humana: Ele seria o inominável, o totalmente Outro. Sua vontade é absoluta e arbitrária. Portanto, não se deve buscar entender por que Deus fez isso ou aquilo, a obediência é a única atitude apropriada. No Islã, também se diz que não se deve representar Deus ou dar-Lhe uma imagem. No mundo cristão, um místico como Meister Eckhart escreveu notavelmente em um Sermão: "Todas as coisas têm um porquê, mas Deus não tem porquê." Para os místicos, a única filosofia válida é a que vem diretamente da Revelação. Tudo o que não vem dela não é nem verdadeiro nem falso, mas desprovido de qualquer valor de verdade. O oposto direto desse pensamento é o que afirma que apenas a razão está correta, e que toda fé é absurda. Isso é o racionalismo absoluto, que leva ao ateísmo. No entanto, tal corrente ainda não havia surgido na Idade Média. Para os proponentes do racionalismo religioso, existe uma complementaridade entre razão e fé: esta é a posição intermediária. A verdade pode ser conhecida tanto pela fé quanto pela razão. E assim, o que é verdadeiro na fé também deve ser verdadeiro na razão, e vice-versa. A verdade é uma, mas é acessível de duas maneiras. Portanto, existem duas ciências que não podem se contradizer, mas se complementam: a ciência natural ou filosofia e a ciência sagrada ou teologia. Se isso não acontecer, se uma contradição aparecer entre razão e fé, é porque ou se raciocina mal, ou se interpreta mal as Escrituras. Assim, para Tomás de Aquino, "A fé é o assentimento da razão movido pela vontade na ausência de evidência." Em outras palavras, a razão é capaz de apreender o mundo e Deus, racionalmente, até certo ponto. Neste ponto, ela não encontra mais evidências. A vontade pode então escolher acreditar, e assim avançar mais em direção à verdade pela fé, ou não acreditar. Mas a fé não é um salto para o absurdo, não é uma humilhação da razão.
Esta é a posição intermediária, que busca reconciliar fé e razão. O verdadeiro racionalismo não é rejeitar tudo o que a razão não compreende, mas pensar sobre os limites da razão. O que vai além da razão não é necessariamente contra a razão. Uma citação de Pascal nas Pensées ilustra muito bem essa mentalidade: "Dois extremos: excluir a razão, admitir apenas a razão."
O Nascimento das Universidades
A Idade Média Cristã foi marcada, no início do século 13, pelo nascimento e multiplicidade de universidades no Ocidente. Uma universidade é uma comunidade de estudantes e mestres da mesma cidade sob o controle da Igreja e compreendendo em princípio quatro faculdades: artes, teologia, direito, medicina. A teologia é concebida como uma ciência, no modelo da ciência grega.
Em 1200, Philippe-Auguste estabeleceu a Universidade de Paris, que rapidamente
se tornou a universidade mais renomada da Europa. Em 1257, Robert de Sorbon fundou
um colégio de teologia na Universidade de Paris, que mais tarde seria chamado
de Sorbonne. Um novo método de ensino e pesquisa conhecido como escolástica (de
schola, escola) surgiu dentro dessas universidades. Envolveu a "disputatio",
um tipo de debate contraditório diante de uma audiência. Uma tese era proposta,
seguida por objeções às quais uma resposta tinha que ser fornecida. Uma vez esgotados
todos os argumentos, o mestre resolveria o debate com uma solução fundamentada.
Entre os grandes mestres aristotélicos que marcaram essa era, podemos mencionar Alberto Magno (1200-1280) e Tomás de Aquino (1224-1274). Este último, ao estabelecer a razão em seus direitos, destacou a especificidade e autonomia da sabedoria filosófica em relação à teologia. Assim como a graça pressupõe a natureza e a cumpre, a fé pressupõe e aperfeiçoa a razão.
A partir de então, o racionalismo religioso prevaleceria definitivamente sobre o misticismo.
Religião e Política: O Nascimento do Estado Soberano
Na Idade Média, a Igreja e as monarquias cristãs herdaram um modelo político do Império Romano, que os historiadores chamam de sistema teológico-político, significando um sistema onde o poder é sagrado, ou seja, onde o líder político é também um líder religioso. É por isso que as sociedades medievais são caracterizadas pelo unanimismo político-religioso. As bases do poder político fundamentam sua legitimidade, autoridade e unidade na fé Cristã (ou Muçulmana). Considera-se guardião da ortodoxia cultural e religiosa e trata como párias aqueles que se desviam dessa unanimidade. Neste contexto, mesmo que uma certa tolerância pudesse ser concedida àqueles que se desligam da visão cultural comum (como os Judeus), nenhum direito ao pluralismo poderia ser reconhecido para eles. Não foi até o final da Idade Média, com a conquista da América, que o problema das liberdades civis se tornou crucial para a Igreja e viu o surgimento de uma primeira filosofia do direito que afirmava e protegia as liberdades individuais, legitimava o pluralismo e condenava a coerção estatal.
Santo Agostinho e a Tentação Teocrática
A questão da relação entre política e religião tomou forma com a obra de
Santo Agostinho, Civitas Dei (A Cidade de Deus). Nela, ele
explica que duas esferas coexistem: Dois amores, portanto, fizeram duas
cidades: o amor de si até o desprezo de Deus, a cidade terrena; o amor de
Deus, até o desprezo de si, a cidade celestial. 
Temos, portanto:
- Um poder espiritual derivado de Deus é encarnado pelo Papa e é exercido sobre toda a Cristandade (esta é a Cidade de Deus).
- A cidade dos homens, que é terrena e feita de um poder local e temporal. Origina-se do pecado original, do Mal.
No entanto, para Agostinho, esta cidade terrena é necessária. É necessária porque garante a paz. Assim, a coexistência com o religioso deve ser bem gerida, e deveria ser regulada por uma predominância do poder espiritual sobre o poder temporal. Mas não deveria haver uma separação radical ou conflito aberto, e ambas as entidades deveriam trabalhar juntas. Historiadores chamaram essa doutrina de agostinianismo político.
A rivalidade entre o poder temporal e o poder espiritual
No entanto, nem papas nem reis ficaram satisfeitos com essa aliança. A Igreja tentou reivindicar sua autoridade sobre o poder político enquanto o poder político tentava se libertar para afirmar sua soberania.
Assim, a Igreja, por seu lado, desenvolverá sua lei e seus tribunais e postulará que o Papa pode resolver disputas terrenas. Por seu lado, os reis começarão a desenvolver um aparelho estatal o mais poderoso possível. Eles também tentarão centralizar a resolução de conflitos legais, depois generalizarão a tributação, desenvolverão a administração territorial e levantarão exércitos: eles lançarão as bases do Estado moderno.
Na realidade, a competição entre os poderes levou a numerosos conflitos. Cada Príncipe ou cada Papa sempre tentou ter a última palavra e convencer de que detinha a autoridade suprema, em última instância. Assim, o Papa Gregório VII declarou:
O papa é o único homem cujos pés todos os príncipes devem beijar.
Por seu lado, São Luís não hesitou em se opor ao Papa Inocêncio IV, que havia excomungado e deposto o Imperador Frederico II, privando-o assim de toda credibilidade entre seu povo. Seu neto, Filipe, o Belo, faria o mesmo.
A tentação teocrática da Igreja também se choca com a teoria do "direito divino". Se os reis da França se proclamam monarcas por "direito divino", é para escapar do domínio do Papa e tirar sua autoridade diretamente de Deus, sem ter que receber ordens do clero.
Ética Bíblica: O Valor Sagrado do Indivíduo
O pensamento antigo subordinava o homem a um cosmos divino, isto é, a um universo perfeito do qual ele era apenas uma parte. O monoteísmo, por outro lado, afirma o valor infinitamente superior do homem sobre a natureza, na medida em que o homem é criado à imagem de Deus. Este ponto crucial está na origem de uma verdadeira revolução ética. A Bíblia afirma o valor sagrado e infinito de cada ser humano. É por isso que a ética bíblica muda nossa relação com o mal. Ela traz uma sensibilidade aguda e sem precedentes ao sofrimento humano. Portanto, nos encoraja a considerar como anormais e insuportáveis males que a humanidade até então havia encontrado perfeitamente suportáveis, especialmente o mal feito aos outros, aos fracos, aos inocentes.
A Transição de uma Ética Simétrica para uma Ética Assimétrica
A ética simétrica trata de estabelecer estrita igualdade nas relações humanas ou estrita reciprocidade. Ela aparece na virtude da justiça, a suprema virtude para os gregos. Justiça é dar aos outros o que lhes é devido: a cada um o seu. E perceber o tempo como cíclico leva a não se sentir responsável pelo mal feito pelos outros. Há mal na Terra, mas ele sempre existiu e sempre existirá. Isso deve ser contabilizado como lucro e perda, e a soma disso é constante. Não há nada a ser feito, sempre será assim, este é o fatalismo grego e romano.
A ética bíblica é assimétrica, significando que se deve dar mais do que o devido. Todos se sentem responsáveis pelo mal, mesmo por aquele que não cometeram. Ética da doação, ética do perdão, ética da compaixão. Não se pode permanecer indiferente ao sofrimento dos outros e não se deve tolerar o sofrimento gratuito, mesmo quando não vem de nós. A tranquilidade do sábio estóico que aceita o destino torna-se impossível. Este é o significado da parábola do Bom Samaritano. Nada o obriga a parar e cuidar de um homem ferido por bandidos. Da revolução ética trazida pela Bíblia, toda a humanidade torna-se uma espécie de Bom Samaritano. É convidada a não tolerar o mal feito aos outros e a lutar contra ele. Além disso, uma vez que Deus é o criador, vemos o surgimento de um novo conceito, o da igualdade: perante Deus, todos os homens são iguais. Não há indivíduos privilegiados diante da imensidão transcendente de Deus, e todos os homens são iguais.
Os Direitos dos Índios
A encarnação mais conhecida dessa doutrina emergente é a Escola de Salamanca, na Espanha no século XVI. Francisco de Vitoria, um de seus representantes, afirma que se todo homem é criado à imagem de Deus, nenhum homem pode ser declarado inferior a outro, nem o judeu, nem o escravo negro, nem o índio.
A descoberta das Américas constituiu um verdadeiro choque cultural, uma primeira brecha no unanimismo político-religioso herdado da Antiguidade. A famosa controvérsia sobre os direitos dos índios de fato dividiu os teólogos em dois campos opostos e irreconciliáveis.
Em um campo, havia os proponentes do monolitismo cultural e do princípio da
coerção. Para eles, os índios viviam fora da mensagem bíblica. Isso poderia
significar que Deus não quis se revelar a eles. Por quê? Duas hipóteses são
então concebíveis: 1° Eles são grandes pecadores (canibalismo) 2° Eles são
atrasados e mais próximos da besta do que do homem. É por isso que têm o
direito de tratá-los como escravos e tomar suas terras à força, sob o
pretexto de que são tanto infiéis quanto bárbaros. No outro campo, havia os
defensores do pluralismo e das liberdades civis: estes são os teólogos da
Escola de Salamanca, discípulos de São Tomás. Segundo Francisco de Vitoria e
Bartolomeo de Las Casas, os direitos devem ser reconhecidos para os índios
como seres humanos e não porque aderiram ou não à fé Católica. Não só não
deveriam ser convertidos à força, mas suas posses não deveriam ser tomadas,
nem deveriam ser submetidos a qualquer forma de escravidão. Sua argumentação
é baseada na concepção tomista de lei natural, distinta da lei divina. Na Summa Theologica, São Tomás coloca a seguinte questão: deve-se obedecer a um Príncipe
infiel, que não acredita em Deus? E ele responde que sim, porque a
autoridade legítima é por direito natural, e a infidelidade ou ateísmo do
Príncipe não é razão para rebelião. A ordem política é primariamente uma
ordem natural. Ele ainda pergunta: deve-se fazer guerra aos infiéis e
impor-lhes a fé? Ele responde que não: uma guerra é justa apenas se for
defensiva. Finalmente, a fé só pode ser um ato livre. Os estudiosos de
Salamanca aplicaram este raciocínio ao caso dos povos indígenas: a
propriedade é um direito natural. Portanto, tomar terras dos povos indígenas
é cometer roubo, assim como se fossem cristãos. Também não é permitido fazer
guerra a eles, dado que não há agressão da parte deles, mas sim da nossa. 
A questão dos povos indígenas foi a primeira fissura no monólito político-religioso. Mostrou que a unidade da sociedade política poderia repousar sobre uma base diferente da unidade religiosa dos habitantes do mesmo território, com base em um pertencimento comum à natureza humana.
A ideia de humanidade progride. Efetivamente passou a ser considerado que existe apenas uma humanidade à qual os direitos iguais estão naturalmente vinculados. Mas ainda levará tempo para que seja aceita por todos. Isso exigirá notavelmente a contribuição das ciências naturais com o conceito da espécie humana.
Os Primeiros Esboços do Capitalismo
Vimos que o Cristianismo impõe um dever moral às pessoas de trabalhar para a melhoria do mundo. Deus quer que o homem seja feliz, mas não quer alcançar seu bem em seu lugar. Portanto, cabe ao cristão combater o mal moral, amar o próximo, ajudar as vítimas, em suma, trabalhar por um mundo mais justo e humano. O capitalismo, ou seja, a economia livre baseada na propriedade privada e na liberdade de contratos, é compatível com o dever cristão?
Parte da resposta reside no fato de que o capitalismo teve origem em um contexto religioso, bem antes da Reforma Protestante. A outra parte da resposta consiste em observar o fato de que o capitalismo é o melhor meio de melhorar a condição material e moral dos indivíduos. Apenas uma economia livre, baseada nos direitos de propriedade e na cooperação voluntária, é capaz de elevar as pessoas de forma sustentável da miséria.
Vamos nos concentrar no primeiro ponto. O segundo ponto será abordado na seção seguinte.
O Surgimento das Cidades Italianas
Henri Pirenne, um historiador belga do início do século 20, dedicou parte de seu trabalho à análise do surgimento do capitalismo na Europa. Em seu livro História da Europa, ele afirma:
Todas as características essenciais do capitalismo — empreendimento individual,
o progresso do crédito, lucros comerciais, especulação, etc. — já existiam desde
o século 12 nas cidades-estado italianas, Veneza, Gênova ou Florença. Segundo
Pirenne, essas cidades comerciais, graças ao seu dinamismo comercial e posição
estratégica nas rotas marítimas, desenvolveram práticas econômicas características
do capitalismo nascente. Ele destaca notavelmente:
- O surgimento do empreendimento individual: Mercadores italianos, muitas vezes de famílias abastadas, investiam seus próprios fundos em expedições comerciais distantes, assumindo assim os riscos e esperando lucros substanciais.
- A expansão do crédito: O desenvolvimento do comércio internacional estimulou o uso de vários instrumentos de crédito, como letras de câmbio e operações bancárias, permitindo o financiamento de transações e facilitando os movimentos de capital.
- A busca pelo lucro: A motivação primária dos mercadores italianos era a busca por lucros comerciais. Eles se envolviam em empreendimentos arriscados, esperando maximizar seus ganhos ao negociar produtos valiosos em mercados distantes.
- O surgimento da especulação: A incerteza inerente às viagens marítimas e às flutuações de preços deu origem a práticas especulativas, onde os mercadores apostavam na evolução dos preços das mercadorias.
Pirenne observa que essas práticas, embora presentes em outras regiões da Europa, experimentaram um desenvolvimento particularmente precoce e intenso nas cidades-estado italianas. Ele atribui esse fenômeno a vários fatores, incluindo o aumento do comércio marítimo, a influência das Cruzadas, o enfraquecimento das estruturas feudais e o espírito inovador característico dessas cidades comerciais.
A questão dos empréstimos com juros
As Escrituras condenam os empréstimos com juros, chamados de usura, considerando que emprestar dinheiro a juros equivalia a explorar os mutuários vulneráveis. No entanto, na prática, a Igreja fechava os olhos para a questão.
Jacques Le Goff é um historiador francês especializado na cultura e
mentalidades da Idade Média. Seguindo Pirenne, ele reconhece a presença das
sementes do capitalismo já na Idade Média, notavelmente nas cidades
italianas, onde práticas como empreendimento individual, a busca pelo lucro
e o uso de instrumentos de crédito já estavam presentes. Ou Le Goff destaca
em L'usure au Moyen Âge (1967, republicado em 1986 sob o título: La bourse et la vie; économie et religion au moyen-age) que já no
século 13, Santo Alberto Magno havia teorizado a noção de "juro legítimo",
que foi posteriormente desenvolvida por Santo Tomás de Aquino após ele.
Apesar das proibições religiosas, a prática de emprestar existia e atendia a
necessidades econômicas reais. Muito antes de Adam Smith, eles entenderam
que o juro sobre empréstimos não era usura, mas uma maneira de permitir a
remuneração do risco para o credor e investimento para o mutuário, que estão
na fundação do capitalismo. 
No entanto, segundo o historiador francês, a ascensão do capitalismo deve ser colocada em um contexto mais amplo de transformações econômicas, sociais e culturais que se desenrolaram ao longo de vários séculos. Le Goff enfatiza notavelmente a importância da Revolução Comercial dos séculos 15 e 16, marcada pela expansão do comércio marítimo e pela descoberta de novas rotas comerciais, que estimularam a acumulação de capital e a predominância da lógica de mercado.
Uma Crítica às Manipulações Monetárias
O estudo sistemático das leis econômicas começa na Alta Idade Média. Os
primeiros economistas são os teólogos escolásticos da Escola de Paris. O
primeiro entre eles a escrever um tratado científico inteiramente dedicado a
um assunto econômico é Nicolas Oresme (1325-1382). Por volta de 1360, ele
compôs seu Tratado sobre a Origem, Natureza, Lei e Alterações do Dinheiro, que resume e desenvolve as ideias dos escolásticos de seu tempo. 
No coração de sua análise monetária está o problema das "mutações" do dinheiro, isto é, alterações no conteúdo metálico das moedas e sua denominação. Essas alterações ocorrem desde o amanhecer dos tempos e estão bem documentadas para a Antiguidade e a Idade Média. Seu efeito mais visível é mudar o poder de compra da unidade monetária, especialmente para diminuí-lo. Esta é uma forma primitiva de inflação que Oresme claramente condena como um mal.
Oresme imediatamente levanta uma questão central: a inflação é benéfica para a comunidade? Ele responde negativamente, argumentando que a inflação não torna o dinheiro mais ou menos útil para as trocas. A economia pode funcionar bem independentemente do nível de preços, e assim, independentemente da oferta nominal de dinheiro. Mas se esse é o caso, outra questão obviamente surge: por que existem alterações na moeda? E, em particular, por que buscar aumentar a oferta de dinheiro? Oresme responde que essas alterações não têm as mesmas consequências para diferentes membros da comunidade. Elas beneficiam certas pessoas em detrimento de outras. Os vencedores das alterações monetárias têm um interesse material em implementá-las. Geralmente, esses vencedores são os homens no poder. Oresme escreve:
Parece-me que a razão primária e última pela qual o príncipe quer apoderar-se do poder de mudar as moedas é o ganho ou lucro que ele pode obter com isso, pois, de outra forma, é sem razão que ele faria tantas e tão consideráveis mutações.
Então, ele acrescenta estes detalhes:
Qualquer ganho que o príncipe derive disso, é necessariamente às custas da comunidade. Ora, qualquer coisa que um príncipe faça às custas da comunidade é uma injustiça e o ato, não de um rei, mas de um tirano, como diz Aristóteles (...) Se o príncipe pode legitimamente fazer uma simples mudança na moeda e obter algum ganho com isso, ele pode, por uma razão semelhante, fazer uma mudança maior e obter mais ganho (...) Assim, o príncipe poderia eventualmente atrair para si quase todo o dinheiro ou riqueza de seus súditos e reduzi-los à servidão, o que seria provar plenamente a tirania e até uma verdadeira e perfeita tirania, como emerge dos filósofos e das histórias dos antigos.
Oresme enfatiza que as alterações monetárias não são simplesmente um jogo de redistribuição a favor do poder em detrimento do resto da comunidade. Elas levam a perdas gerais — o jogo é de soma negativa. Uma moeda em frequente alteração perturba o comércio e convida os falsificadores a tirarem vantagem da confusão geral.
Além disso, se duas moedas diferentes se beneficiam de curso legal, os agentes irão acumular aquela que vale mais, de modo que apenas a moeda inferior permanece em circulação. (Oresme aqui antecipa a famosa "lei de Gresham": o dinheiro ruim expulsa o bom em um regime de curso legal.) Ele conclui que as manipulações monetárias são piores que a usura e que, provavelmente, foram uma causa significativa do declínio do Império Romano, como vimos anteriormente.
O Surgimento da Liberdade: Do Renascimento à Iluminação
Apelo pela Tolerância Religiosa
A partir do Renascimento, a Europa seria devastada por guerras religiosas. A
tolerância, portanto, tornou-se uma das grandes batalhas do Iluminismo. 
Para alguns, o método científico unificaria as pessoas além dos preconceitos com uma visão comum do mundo. A atração universal não é a mesma para um católico, um protestante, um judeu ou um ateu? Assim, a Enciclopédia de Diderot e d’Alembert representa uma tentativa de promover o conhecimento universal, capaz de unir as pessoas.
Voltaire pensava o mesmo sobre o comércio. Ele poderia estabelecer a tolerância, muito melhor do que qualquer instituição política.
O lucro como uma "religião pacífica"
Para Voltaire, é principalmente a falibilidade do homem que constitui a fundação de uma doutrina de tolerância e liberdade política. Ele escreve em seu Dicionário Filosófico (1764):
A tolerância é a consequência necessária de nossa consciência de sermos falíveis. Errar é humano, e todos nós constantemente cometemos erros. Vamos perdoar uns aos outros nossas tolices; esta é a primeira lei da natureza.
Mas em suas Cartas Filosóficas (1734), Voltaire oferece outro ponto de vista. Ele observa que na Inglaterra, o comércio fomenta a tolerância religiosa, que é um componente essencial da paz civil e, portanto, da felicidade. Ele escreve essas cartas para criticar as guerras religiosas na França, alimentadas por um poder político absoluto e intrusivo. Isso representa a primeira crítica radical do Ancien Régime.
O que constitui a felicidade de um indivíduo ou de uma nação para Voltaire é um regime em que as pessoas vivem em paz umas com as outras, em um certo conforto material. É por isso que uma sociedade é tanto mais livre e feliz quanto é fundada no comércio no sentido de troca econômica.
Três pontos devem ser considerados de acordo com Voltaire:
- A felicidade de uma nação requer uma vida material fácil que fomente as artes.
- O luxo e o comércio são garantias de liberdades.
- Finalmente, o comércio é bom porque promove relações civilizadas e, portanto, pacíficas entre as pessoas.
Quanto mais o comércio é valorizado, mais os preconceitos desaparecem diante dos interesses econômicos. Apesar de suas diferenças confessionais, os homens que negociam têm todos o mesmo objeto no centro de suas preocupações: o lucro. A busca comum pelo lucro leva à cooperação e ao respeito pelas opiniões dos outros, especialmente suas crenças religiosas. Na Sexta Carta, "Sobre os Presbiterianos", Voltaire fornece o exemplo da Bolsa de Valores de Londres. Neste ápice do comércio internacional, "o judeu, o muçulmano e o cristão" fazem negócios juntos, "como se fossem da mesma Religião". Eles reservam "o nome de infiéis apenas para aqueles que vão à falência".
O trecho vale a pena ser citado na íntegra porque é muito famoso: Entre na Bolsa de Valores de Londres, um lugar mais respeitável do que muitos tribunais; lá você vê delegados de todas as nações reunidos para a utilidade da humanidade. Lá, o judeu, o muçulmano e o cristão negociam uns com os outros como se fossem da mesma religião, e apenas chamam aqueles que vão à falência de infiéis; lá, o presbiteriano confia no anabatista, e o anglicano aceita a promessa do quacre. Após deixar essas assembleias pacíficas e livres, alguns vão para a sinagoga, outros vão beber; um vai ser batizado em uma grande banheira em nome do Pai pelo Filho no Espírito Santo; outro tem o prepúcio do seu filho cortado e murmura palavras em hebraico sobre a criança que ele não entende; outros vão à sua igreja para aguardar a inspiração de Deus, com seus chapéus na cabeça, e todos estão contentes. O comércio, portanto, une os homens em torno de uma "mesma religião", o lucro. E permite que os indivíduos ignorem diferenças religiosas ou de classe, que são as origens dos conflitos. Na Inglaterra, o lucro é, assim, uma religião pacífica. Mas e na França?
Na Décima Carta, "Sobre o Comércio", Voltaire descreve a mentalidade francesa da seguinte forma: "o comerciante muitas vezes ouve sua profissão ser falada com desprezo, a ponto de ele ser tolo o suficiente para se envergonhar dela." Em contraste, na Inglaterra, o comerciante sente um "orgulho justo", e se compara "não sem algum motivo, a um cidadão romano". Voltaire presta homenagem à classe média inglesa, ao seu comércio e à sua sociedade pacífica.
A Verdade Requer Liberdade
No entanto, a França não carecia de grandes mentes. É pouco conhecido, mas Anne Robert Jacques Turgot, Barão de Laulne foi antes de tudo um pensador líder antes de se tornar o Controlador Geral das Finanças sob Luís XVI. Ele foi o autor de um tratado magistral sobre economia política, Reflexões sobre a Formação e Distribuição da Riqueza (1766), antecedendo A Riqueza das Nações de Adam Smith (1776).
Seus primeiros escritos refletem seu compromisso com a filosofia do Iluminismo.
Em 1754, ele publicou suas Cartas sobre a Tolerância Civil e em
1757, vários artigos escritos para A Enciclopédia de Diderot e d'Alembert.
Em suas cartas, Turgot apresenta uma definição de tolerância. Tolerar significa
recusar-se a usar violência contra o erro. Em outras palavras, tolerância não
é a aceitação do erro. Pode-se lutar contra ele, mas com as armas da convicção
e da razão, não com violência.
Posteriormente, Turgot empenhou-se em fazer com que Luís XVI removesse a frase: "Juro suprimir a heresia" do juramento tomado no dia da coroação. Em Memória ao Rei sobre a Tolerância (1775), ele escreve: Os defensores da intolerância dirão que o príncipe tem o direito de comandar quando sua religião é verdadeira e que se deve então obedecê-lo? Não, mesmo assim, não se pode e não se deve obedecê-lo; pois se deve seguir a religião que ele prescreve, não é porque ele o comanda, mas porque é verdadeira; e não é, nem pode ser, porque o príncipe a prescreve que ela é verdadeira. Não há homem tolo o suficiente para acreditar que uma religião é verdadeira por tal razão. Portanto, aquele que se submete a ela de boa fé não obedece ao príncipe, obedece apenas à sua consciência; e a ordem do príncipe não adiciona peso à obrigação que esta consciência impõe sobre ele. Seja o príncipe crente ou não em uma religião, seja ele comandando ou não seguir, isso não é mais nem menos o que é, verdadeiro ou falso. A opinião do príncipe é, portanto, absolutamente estranha à verdade de uma religião, e consequentemente à obrigação de segui-la: o príncipe, portanto, como príncipe, não tem direito de julgar, nenhum direito de comandar a este respeito; sua incompetência é absoluta em questões desta ordem, que não estão dentro de sua alçada, e nas quais a consciência de cada indivíduo pode e deve ter apenas Deus como seu único juiz. Em outras palavras, ser tolerante não significa ser hostil à religião. Significa considerar que a crença religiosa não está sob o poder político, mas sob a consciência de cada indivíduo. A verdade requer liberdade; ela nunca deve ser imposta sob pena de se tornar corrompida.
- Ideias devem ser trocadas, assim como mercadorias
Apelo pela Liberdade Econômica
O liberalismo econômico é frequentemente associado a uma tradição anglo-saxônica que vem de Adam Smith, contrastado com o "liberalismo político", que se diz originar do Iluminismo continental, particularmente na França. Esta visão é incorreta.
Foi em reação ao mercantilismo e, mais amplamente, às ideias do Ancien Régime que a ciência econômica nasceu na França. Com o Iluminismo, veio um período em que os filósofos começaram a se chamar "economistas", estes eram os fisiocratas.
Eles lançaram as bases da economia liberal. Os principais representantes da escola fisiocrática são François Quesnay, o Marquês de Mirabeau, Lemercier de la Rivière, Abbé Nicolas Baudeau, Louis-Paul Abeille e Pierre-Samuel Dupont de Nemours.
Economia política, Dupont de Nemours resume, é a ciência do direito natural aplicada às sociedades civilizadas. (Correspondência com J.-B. Say).
Eles defendiam o "Laissez-faire", que recomenda que o estado não deve intervir na economia.
A partir deste ponto, duas concepções muito diferentes começaram a emergir dentro do Iluminismo:
- Por um lado, há aqueles que acreditam que essa harmonia social deve ser alcançada artificialmente e através da coerção do Estado; estas são as teorias do contrato.
- Por outro lado, há aqueles que acreditam que a governança pode ser alcançada através de interesses, significando permitir que os interesses individuais se harmonizem dentro do quadro de regras do jogo que são conhecidas e aceitas por todos: estas são as teorias de mercado.
Contra o Colbertismo
Esta frase apareceu quando Jean-Baptiste Colbert, o principal conselheiro de Luís XIV, perguntou um dia aos comerciantes: "O que posso fazer por vocês?" Um deles, chamado François Legendre, respondeu: "Deixe-nos fazer!" A frase foi adotada pelos Fisiocratas, François Quesnay, o Marquês d'Argenson e, em seguida, por Vincent de Gournay: "Laissez-faire, laissez passer." Tornou-se o seu lema.
Referindo-se à lei natural (o termo vem de phusis, natureza, e cratos, poder ou regra), os fisiocratas acreditavam que existem leis econômicas, que não dependem do poder político ou religioso, mas da própria natureza do homem e das sociedades. A ordem econômica é a ordem natural das sociedades. O poder político deve se submeter a ela. Os Fisiocratas se propuseram a demonstrar que o mercantilismo, a política econômica na França assim como na Inglaterra, não era apenas ineficiente, mas também imoral. Colbert foi um dos primeiros estatistas modernos. Ele estava convencido de que a regulação governamental poderia gerar prosperidade nacional. O Estado atuava como banqueiro, comerciante e fornecedor. Controlava a moeda, dirigia o comércio e redistribuía a riqueza. Segundo Colbert, o objetivo era buscar "um aumento da riqueza incentivando a indústria." E ele também acrescentou: "A França só pode enriquecer às custas da Inglaterra e da Holanda."
Ao contrário, para os Fisiocratas, o livre comércio era a única boa política econômica porque era um jogo de soma positiva e a economia era governada por leis naturais que não deveriam ser perturbadas por leis arbitrárias.
Os Benefícios do Mercado Livre
Até a Revolução Francesa, a sociedade vivia em uma economia aristocrática baseada em dádiva e privilégio. Ações arbitrárias e vexações dificultavam o acesso ao mercado para os cidadãos comuns.
No entanto, desde a Idade Média, como vimos, a economia de mercado se desenvolveu. Os comerciantes se tornaram mais ricos e ganharam cada vez mais liberdade econômica.
O mercado trata da troca voluntária a um preço negociado. O mercado melhora a condição material, intelectual e política de todos porque permite a aquisição de espaços de autonomia e iniciativa.
De fato, os seres humanos naturalmente querem melhorar sua própria condição e a de seus entes queridos, por meio da troca de bens e serviços. Daí o desejo desses novos filósofos, os "economistas", de possibilitar ao povo prover a si mesmo uma renda suficiente e, assim, alcançar o que Kant chama em seu panfleto O que é o Esclarecimento? sua "maioridade", sua autonomia de decisão e ação.
Para os Fisiocratas, a liberdade não divide. Lutar contra privilégios políticos e combater rendas econômicas são uma coisa só. A grande novidade dos economistas modernos, no alvorecer do século 18, foi que eles se concentraram em cada indivíduo com a intenção de restaurar sua capacidade de ação enquanto pensavam em como conter paixões e interesses por meio do mercado livre.
De fato, como fazer coexistir homens com interesses divergentes? O que fazer se os homens entrarem em conflito, se cometerem erros, se forem gananciosos e egoístas?
Os Fisiocratas responderam em três etapas:
- É a liberdade dos contratos que permite a resolução de conflitos de interesse, não o contrato social, que é um pseudocontrato, pois não pode ser rompido. Analisar os problemas sociais em termos de mercado e troca nos permite ver as relações entre indivíduos e entre nações como um jogo de soma positiva e aborda tanto as questões de instituição quanto a regulação da sociedade ao afirmar que a necessidade e o interesse sozinhos governam as relações entre as pessoas.
- A liberdade natural é o direito de dispor de si mesmo e de suas posses. Portanto, a harmonia de interesses é possível com base no respeito pela propriedade legítima, que é adquirida através do trabalho e decorre do uso de nossas faculdades. E é essa liberdade baseada na propriedade que é a chave para o problema social, não a restrição da lei.
- O papel do Estado é fazer cumprir contratos e garantir a segurança das pessoas e da propriedade. Este é o famoso "Laissez faire", o lema dos fisiocratas. O Estado governa melhor quando governa menos e permite que os indivíduos tenham a liberdade de tomar iniciativas e assumir suas responsabilidades.
Em resumo, se todos podem livremente perseguir seu interesse privado em respeito à lei natural, a paz e a prosperidade de todos serão melhor asseguradas do que por uma organização política que definiria o interesse geral de cima para baixo e o imporia através da restrição da lei. A liberdade política é uma coisa útil, mas não é suficiente para dar aos indivíduos a autonomia de decisão e ação de que precisam. Tal é a lição dos fisiocratas. A escola liberal francesa do século XIX, com Say, Constant, Dunoyer, Bastiat e Molinari, lembrará disso e defenderá brilhantemente essa herança contra o socialismo emergente.
Um Ano Chave para o Mundo Livre: 1776
1776 é um ano que muitas vezes passa despercebido nos livros de história. Mas em três países, França, Escócia e América do Norte, vários eventos deixarão uma marca indelével na história da liberdade.
A Desgraça de Turgot
Durante seu curto mandato como Ministro das Finanças (Controlador Geral), de agosto de 1774 a maio de 1776, Ann-Robert Jacques Turgot tentou grandes reformas para acabar com os gastos extravagantes, numerosos monopólios locais e retornar ao livre comércio. Ele chegou até a admoestar o Rei Luís XVI nestes termos:
Você deve, Sire, armar-se contra sua bondade, com sua própria bondade, considerando de onde vem o dinheiro que você pode distribuir aos seus cortesãos. Em 1774, ele publicou seus Seis Éditos para abolir as guildas e mestrias (corporações que haviam se tornado monopólios e barreiras de entrada no mercado de trabalho), abolir os direitos aduaneiros internos sobre o comércio de grãos, abolir o trabalho forçado (corvéia) e estabelecer tolerância em relação aos protestantes.
Infelizmente, os preços crescentes do trigo, seguindo uma má colheita, lançaram dúvidas sobre suas reformas. Turgot escreveu em sua defesa:
Quando nas províncias ainda houvesse fomes, isso não deveria ser tomado como uma objeção contra a liberdade; deveria apenas ser concluído que a liberdade não foi estabelecida por tempo suficiente para ter produzido todos os seus efeitos.
No entanto, ele encontrou principalmente a ira dos nobres, que tentaram defender seus privilégios. Diante de uma cabala montada pelo Príncipe de Conti, ele preferiu renunciar em maio de 1776, em vez de ceder no que considerava a salvação da monarquia e da França. Sua queda encerrou o primeiro experimento na França com uma economia de mercado livre (Para leitura adicional, veja Edgar Faure, La disgrâce de Turgot). A principal obra de Turgot, Reflexões sobre a Formação e Distribuição da Riqueza (1766), deve muito à doutrina dos Fisiocratas. Turgot revisita e amplia o modelo de mercado livre proposto por Quesnay e, antes dele, por Boisguilbert, contra os mercantilistas. Mas suas ideias são pelo menos igualmente influenciadas por seu amigo Jacques Vincent de Gournay, nomeado intendente do comércio em 1751. Turgot viajou com ele por todo o país durante suas inspeções.
Turgot é um apóstolo do direito natural, que ele também chama de "sistema de liberdade". Ele frequentemente enfatiza que a competição em um mercado livre regula naturalmente os preços e previne abusos. Além disso, ele faz do comerciante a pedra angular do mecanismo de mercado. De fato, agentes estatais são menos motivados e especialmente menos bem informados do que os comerciantes. Portanto, é mais eficiente deixar o comércio nas mãos de interesses privados.
É desnecessário provar que cada indivíduo é o único juiz do uso mais vantajoso de sua mente e braços. Eles sozinhos possuem o conhecimento local sem o qual o homem mais esclarecido só pode raciocinar às cegas. Eles sozinhos têm uma experiência tanto mais confiável quanto é limitada a um único objeto. Eles aprendem através de suas tentativas repetidas, seus sucessos, suas perdas, e adquirem um tato cuja finura, aguçada pelo sentimento de necessidade, supera em muito toda a teoria do especulador indiferente. (Elogio a Vincent de Gournay).
Aqui, Turgot antecipa em grande parte o argumento de Mises e Hayek sobre a impossibilidade de qualquer cálculo econômico em um sistema econômico socialista.
Dedicando um capítulo ao "Brilho de Turgot", Murray Rothbard, em sua história econômica de uma perspectiva austríaca, enfatiza que "a influência de Turgot no pensamento econômico subsequente foi seriamente restrita (...) pelo mito subsequente de que Adam Smith foi o fundador da economia política." E ele acrescenta, "foi no francês J.B. Say, oficialmente um seguidor de Smith, que Turgot teve a maior influência, particularmente sua teoria do valor de utilidade."
A Obra-prima de Condillac
Em 1776, o filósofo Étienne Bonnot de Condillac publicou Comércio e Governo, possivelmente um dos mais magníficos pleitos daquela era em favor do livre comércio e da liberdade individual.
Comércio e Governo contém o que mais tarde seria chamado de teoria da subjetividade do valor, o que lhe rendeu todos os elogios dos economistas austríacos, começando por Menger. Seguindo Turgot, mas com maior clareza, Condillac afirma que o valor não reside no trabalho, mas no fato de que todos encontram um interesse na troca:
O valor das coisas, ele escreve, é baseado em sua utilidade, ou, o que dá no mesmo, na necessidade que temos delas; ou, o que novamente dá no mesmo, no uso que podemos fazer delas. E ele acrescenta: "Uma coisa não tem valor porque custa, como se supõe; mas custa, porque tem um valor.
Assim, o valor não reside dentro da coisa na forma de uma quantidade de trabalho que teria que ser produzido (a tese do valor trabalho que seria de Adam Smith e Ricardo) mas fora da coisa, em outras palavras, na intensidade do desejo que o comprador experimenta. Também é um tratado sobre filosofia, pois demonstra como a troca livre e voluntária é uma ferramenta de emancipação mais justa do que a intervenção estatal, porque é igualitária e anti-hierárquica. É capaz de estabelecer cidadãos maduros e responsáveis e é a resposta aos desvios tirânicos do Ancien Régime. De fato, se os excessos do individualismo podem ser regulados pelo mercado, nada pode regular os abusos do poder central. É por isso que Condillac convida o poder a libertar o comércio de qualquer empecilho e a renunciar a qualquer intervenção na esfera econômica.
Um Manifesto pela Liberdade na América
Em 1776, um inglês chamado Thomas Paine publicou na América um panfleto virulento criticando a monarquia inglesa e defendendo a independência dos colonos americanos: Common Sense (Senso Comum).
Paine argumenta que:
- A sociedade civil existe antes do governo
- A monarquia é um sistema político ultrapassado e despótico.
- A América sofre sob a dominação britânica.
- A Revolução Americana é uma causa universal que defende os valores de liberdade, igualdade e responsabilidade.
- A América deve se separar da Inglaterra e estabelecer uma república para encarnar esses valores.
O autor faz questão de distinguir entre sociedade civil e o Estado:
A sociedade é o resultado de nossas necessidades, o governo é o de nossa maldade. […] O estado social é um bem sob todas as hipóteses. O governo, mesmo em sua perfeição, é apenas um mal necessário; em sua imperfeição, é um mal insuportável.
O sucesso do livro é imenso. Vendeu cerca de 100.000 cópias em alguns meses, em um país de três milhões de habitantes e contribuiu para galvanizar o sentimento americano de independência.
Thomas Paine, por meio de seu panfleto, desempenhou um papel crucial na Revolução Americana e na inspiração dos ideais de liberdade e democracia. Ele influenciou diretamente a Declaração de Independência Americana adotada alguns meses depois.
O Congresso da Filadélfia
Em 4 de julho de 1776, na Filadélfia, onde estão reunidos em congresso (em inglês, "Convention"), os representantes das Treze Colônias Inglesas da América do Norte adotam uma resolução declarando que os "Estados Unidos são, e de direito devem ser, Estados livres e independentes". A resolução é apoiada por John Adams, (um dos inspiradores do Tea Party) e Benjamin Franklin, delegados de Massachusetts. A Declaração de Independência será redigida por Thomas Jefferson, delegado da Virgínia.
Nos anos que se seguiram, os franceses La Fayette, Rochambeau, Almirante de Grasse,
Conde d'Estaing, General Duportail, Marquês de la Rouerie, Comandante Pierre
L'Enfant, escritor Beaumarchais e muitos outros lutaram ao lado dos Insurgentes
para libertá-los do jugo do Rei da Inglaterra. 
141 anos depois, em 4 de julho de 1917, em meio à Primeira Guerra Mundial, uma cerimônia foi organizada para os primeiros soldados da AEF que chegaram a Paris no Cemitério de Picpus, sobre o túmulo de La Fayette, o "herói dos dois mundos". Nessa ocasião, o Capitão Charles E. Stanton, da equipe do General Pershing, proferiu um famoso discurso: Lamento não poder me dirigir à população francesa na bela língua de seu leal país. Não se pode esquecer que sua nação foi nossa amiga quando a América lutou por sua existência, quando um punhado de homens bravos e patrióticos estava determinado a defender os direitos que seu Criador lhes havia dado -- que a França, na pessoa de Lafayette, veio em nosso auxílio com palavras e ações. Seria ingrato não lembrar disso, e a América não falhará em suas obrigações...
Portanto, é com grande orgulho que abraçamos as cores em tributo de respeito a este cidadão de sua grande República, e aqui e agora, à sombra dos ilustres mortos, asseguramos a ele nosso coração e nossa honra para dar a esta guerra um desfecho favorável.
Lafayette, estamos aqui!
Em 1789, foi novamente La Fayette, com Jefferson, que lançou as primeiras fundações da Declaração dos Direitos do Homem de 1789.
A Riqueza das Nações
Adam Smith publicou em 1776 Uma Investigação sobre a Natureza e Causas da Riqueza das Nações. Uma obra prolífica que frequentemente o categoriza como economista, embora ele tenha ensinado filosofia moral na Universidade de Glasgow. De maneira caricata, ele é lembrado como o pai da economia moderna.
Na realidade, Smith deveu muito aos economistas Quesnay e Turgot, com quem se encontrou durante uma viagem de mais de um ano pela França. Neste livro, ele descreve notavelmente um "sistema simples de liberdade natural" no qual os indivíduos, perseguindo seus próprios interesses, são levados "por uma mão invisível" a promover o bem-estar da sociedade como um todo.
Aqui está o trecho mais famoso: Ao favorecer o sucesso da indústria nacional em detrimento da indústria estrangeira, ele só pensa em garantir maior segurança; e ao direcionar essa indústria de modo que seu produto seja do maior valor possível, ele só pensa em seu próprio ganho; nisso, como em muitos outros casos, ele é levado por uma mão invisível a alcançar um fim que de modo algum faz parte de suas intenções; e não é sempre a pior coisa para a sociedade que esse fim não faça parte de suas intenções. (A Riqueza das Nações)
Esta famosa mão invisível ilustra a ideia de que a livre concorrência em um mercado livre leva a uma alocação eficiente de recursos e a uma maximização do bem-estar geral.
A contribuição mais importante de Smith para a liberdade foi esclarecer a ideia de ordem espontânea. De fato, Smith argumenta que os indivíduos, ao procurarem satisfazer suas próprias necessidades e desejos, são incentivados a produzir e trocar bens e serviços de uma maneira que atenda às necessidades da sociedade de forma mais eficaz do que o planejamento central poderia.
Esta ideia de ordem espontânea se tornaria um conceito chave no trabalho de Friedrich Hayek, que reconheceria sua dívida com o Iluminismo Escocês e com Adam Smith em particular.
A Era das Revoluções
A grande novidade deste período moderno na história ocidental é o surgimento de uma sociedade que se organiza fora da dependência religiosa. Isso não significa o desaparecimento da crença religiosa ou a morte de Deus. Mas Deus se torna uma questão privada, não mais misturada com os assuntos políticos. Não há desaparecimento da religião, mas um destronamento de seu papel orientador. Torna-se um sistema de crenças individuais.
A secularização do mundo ocidental não aconteceu da noite para o dia. Foi preparada por ideias. Como muitas vezes, a filosofia está na vanguarda das grandes mudanças culturais. Desde Machiavelli e Hobbes, o homem é entendido como um ser de paixões, animado por tendências contraditórias. Foi, portanto, necessário encontrar princípios regulatórios para essas paixões para evitar os conflitos e a violência que elas levam. Falamos sobre economistas e sua defesa do mercado livre. Mas para muitos filósofos, a solução para o problema pressupõe, antes, o estabelecimento de um poder soberano por meio de um contrato legal.
Até o século 18, o principal problema político para esses filósofos é, portanto, o da soberania. É primariamente uma questão de justiça: quem pode exercer legitimamente a soberania?
Soberania Popular
A ideia foi inspirada por Locke no século 17 e depois retomada por Rousseau.
O poder soberano não deve vir apenas da vontade livre do povo, mas também
residir nele. Esta é a teoria rousseauniana da soberania da vontade geral, o
que chamamos hoje de democracia. 
Rousseau concebe o povo como um indivíduo autônomo capaz de se submeter às leis que estabelece. A vontade livre do povo constitui a única fundação justa da soberania. Rousseau desenvolveria esse humanismo legal, característico da Modernidade, até suas últimas consequências, concebendo o povo como um indivíduo capaz de se autodeterminar livremente ou como uma vontade geral. Assim, o contrato envolve a submissão a leis que o homem, como vontade geral, dá a si mesmo como vontade particular. A teoria da vontade geral ou da soberania do povo permite, assim, a reconciliação da liberdade e da submissão. A autoinstituição da lei ou autonomia política tem sido de fato um componente essencial da democracia desde Rousseau.
Mas a questão da origem da soberania não é a única. A reflexão pode tomar uma nova direção, a do modo de exercício da soberania. A vontade geral é sempre justa? E, acima de tudo, ela está autorizada a intervir na sociedade civil e dentro de quais limites?
A teoria do poder limitado
Um dos filósofos do Iluminismo cuja influência foi muito forte na França e na América é John Locke. Ele foi a inspiração por trás dos Pais Fundadores dos Estados Unidos, mas também da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão em 1789
Todos os sistemas anteriores consideravam que as liberdades são apenas privilégios concedidos pelo poder em virtude de uma autorização que pode ser revogada a qualquer momento. Para Locke, a vida de um homem é sua por virtude de um direito natural (significado: por virtude de um princípio moral inerente à natureza humana) e que o único propósito moral de um governo é a proteção dos direitos individuais.
Locke atribui ao estado a missão de defender a propriedade individual, significando "vida, liberdade e propriedade":
O grande e principal fim, portanto, pelo qual os homens se unem em comunidades e se submetem ao governo, é a preservação de sua propriedade. (Two Treatises of Government, § 87).
Thomas Jefferson inscreveu a teoria de Locke sobre direitos inalienáveis na Declaração de Independência: Consideramos essas verdades como evidentes por si mesmas, que todos os homens são criados iguais, que são dotados pelo seu Criador de certos direitos inalienáveis, entre estes, a vida, a liberdade e a busca pela felicidade.
Além disso, o Artigo 2 da Declaração dos Direitos Francesa de 1789 também se inspira nesta tradição lockeana de direito natural:
O objetivo de qualquer associação política é a preservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem. Esses direitos são liberdade, propriedade, segurança e resistência à opressão.
Duas Revoluções Comparadas
A Revolução Americana foi liderada por homens que falavam de direitos fundamentais inalienáveis. Levou à formação de um estado de direito descentralizado e limitado. Do outro lado do Atlântico, outro experimento político ocorreu: a Revolução Francesa, que começou como uma corajosa revolta do povo, terminou em uma série de massacres, conflitos internos sangrentos e pavimentou o caminho para a ditadura militar de Napoleão Bonaparte. Por que tal diferença? No século XIX, Alexis de Tocqueville, um filósofo político francês, tentou identificar essas diferenças entre as duas revoluções irmãs. Ele atribui o sucesso da Revolução Americana a vários fatores.
Primeiramente, na maneira de definir a república. A República Francesa é una e indivisível. A República Americana é composta por estados soberanos, cada um possuindo sua própria jurisdição e interesses locais. O federalismo é considerado traição na França. Na América, traição consistiria em querer impor a unidade. Até a Guerra Civil Americana, pelo menos, a União na diversidade dos Estados era a força da Federação.
Ele também argumenta que a fé da América em uma lei superior desempenhou um papel decisivo. A Declaração de Independência proclama que todos os homens são criados iguais, que são dotados de certos direitos inalienáveis (vida, liberdade, propriedade e a busca pela felicidade) e que o propósito de um governo é unicamente garantir esses direitos. Tratava-se de restaurar princípios e ideais que foram pisoteados pela coroa britânica.
A Primeira Emenda da Constituição Americana, redigida em 1789, afirma: O Congresso não fará nenhuma lei referente à instituição de uma religião, ou proibindo o livre exercício da mesma; ou restringindo a liberdade de expressão, ou da imprensa; ou o direito do povo de se reunir pacificamente, e de pedir ao Governo a reparação de agravos.
Esta formulação protege explicitamente contra a tirania da maioria. No entanto, a Revolução Francesa foi bastante diferente. Os franceses queriam romper completamente com o passado. Os princípios milenares da herança cristã já não atendiam às expectativas de revolucionários como Robespierre.
Da Revolta do Terceiro Estado ao Terror Jacobino
Abbé Sieyès (1748-1836) é considerado o pai da Revolução Francesa. Ele é o autor de O que é o Terceiro Estado?, em janeiro de 1789
O Terceiro Estado compreendia todos aqueles que não pertenciam ao clero ou à nobreza. Desde as primeiras linhas de seu famoso panfleto, Abbé Sieyès elogiou as liberdades individuais e a livre concorrência:
Não é conhecido o efeito do monopólio? Se desencoraja aqueles que exclui, não é sabido que torna menos habilidosos aqueles que favorece? Não é sabido que qualquer trabalho do qual a livre concorrência é removida será feito de maneira mais cara e pior?
A noite de 4 de agosto de 1789 é o evento fundacional da Revolução Francesa,
ainda mais do que 14 de julho, que foi escolhido como feriado nacional. De
fato, durante a sessão que foi realizada então, a Assembleia Constituinte
pôs fim ao sistema feudal. Privilégios foram abolidos, os dos nobres e os do
clero. Em março de 1791, após vários meses de uma espécie de limbo legal, as
guildas também foram abolidas, e a completa liberdade de trabalho foi
estabelecida. A Revolução ratificou o trabalho de Turgot. Mas não por muito
tempo... Na França, até o final de 1791, a fome exacerbou o descontentamento
popular. Distúrbios paralisaram o comércio de grãos, e o pão estava escasso.
Um vasto movimento exigia a lei agrária, ou seja, a distribuição pelo Estado
da produção de trigo. A Assembleia, no entanto, resistiu a essa tentativa de
coletivização. Inicialmente, votou pela confiscação das propriedades da
Igreja e, em um segundo passo, pela Constituição Civil do Clero. A
confiscação das propriedades da Igreja visava evitar a crise financeira;
pretendia-se que servisse como garantia para os Assignats, significando uma
emissão massiva de papel-moeda. Além disso, como Dupont de Nemours havia
previsto, a emissão de moeda falsa apenas piorou a crise, causando inflação
generalizada e uma forte queda no valor dos Assignats. Em agosto de 1792, os
distúrbios de fome, por sua vez, levaram à insurreição de Paris, à execução
de Luís XVI em janeiro de 1793 e, em seguida, ao Reinado do Terror. 
Em 1795, cinco anos após a primeira emissão, o papel-moeda havia perdido 99% de seu valor. A Revolução Francesa continuou sob o Diretório até 1799, quando Napoleão tomou o poder por meio de um golpe de estado. Ele se tornou o Primeiro Cônsul da República Francesa antes de ser coroado Imperador em 1804. Essa foi uma das primeiras contradições flagrantes com a Declaração dos Direitos do Homem, que proclamava que a propriedade privada era inviolável.
Na América, não havia dirigismo econômico, nem uma falência monetária como a dos Assignats. E, acima de tudo, não havia proscrições, não havia emigrações em massa, não havia guilhotina, não havia massacres e não havia Reinado do Terror. Imediatamente, pode-se ver a diferença nos meios de ação que separa a Revolução Americana da Revolução Francesa.
Com Rousseau e Robespierre, os franceses queriam acreditar que a Nação ou a vontade geral tinha poder ilimitado e justificava tudo. Do fato de o povo governar, concluía-se que eles tinham todos os direitos. Havia claramente uma contradição entre os grandes princípios da Revolução e os meios empregados para fazê-los triunfar.
Isso é, aliás, o sentido da observação de Friedrich Hayek em seu livro A Constituição da Liberdade:
O fator decisivo que tornou vãos os esforços da Revolução em favor da promoção da liberdade individual foi que ela criou a ilusão de que, na medida em que todo o poder havia sido entregue ao povo, todas as precauções contra o abuso desse poder haviam se tornado desnecessárias.
Apogeu e Declínio: Do século 19 ao século 20
A Liberdade dos Modernos
Segundo Benjamin Constant, a liberdade, em nossas sociedades modernas, não pode mais ser entendida à maneira das sociedades da Antiguidade como participação direta nos assuntos da cidade.
Liberdade na Vida Privada
Na antiguidade, o indivíduo era soberano nos assuntos públicos, mas
escravizado em todas as suas relações privadas. O sacrifício da liberdade
individual era compensado pelo uso dos direitos políticos: o direito de
exercer diretamente várias partes da soberania, de deliberar na praça
pública, de votar em leis, de pronunciar julgamentos, de avaliar e julgar
magistrados. É uma liberdade política e coletiva: A liberdade dos Antigos
consistia em uma participação ativa e constante no poder coletivo. Nossa
liberdade, por outro lado, deve consistir no gozo pacífico da independência
privada; segue-se que devemos ser muito mais apegados do que os antigos à
nossa independência individual. (Sobre a Liberdade dos Antigos Comparada com a dos Modernos (1819)) 
A liberdade moderna é a liberdade civil, que inclui a liberdade econômica e baseia-se no direito à privacidade. É o direito de não ser submetido a qualquer arbitrariedade, o direito à expressão, à reunião, ao movimento, ao culto e à indústria. Não há liberdade sem a possibilidade de escolher o próprio estilo de vida e valores, portanto, não há liberdade sem a possibilidade de se retirar da comunidade e, consequentemente, não há liberdade sem uma limitação do Estado para permitir a existência desse espaço privado. É uma liberdade que corresponde ao que os americanos chamam de direitos civis.
Esta definição de liberdade é encontrada em John Stuart Mill:
A única liberdade que merece esse nome, é a de buscar nosso próprio bem à nossa maneira, desde que não tentemos privar os outros do deles ou impedir seus esforços para obtê-lo. (...) A humanidade ganha mais permitindo que cada pessoa viva como achar melhor do que obrigando-as a viver como parece bom para os outros. (Sobre a Liberdade, 1859)
Mill delimita os limites da soberania estatal: ela para onde começa a soberania do indivíduo. Se uma ação individual não tem consequências prejudiciais para os outros, então o indivíduo é completamente livre para realizá-la. O Estado deve regular as relações interindividuais, mas não pode ir além, interferindo na vida privada dos indivíduos. Se o indivíduo prejudica a si mesmo, o Estado não pode fazer nada além de "remonstrar" ou tentar "raciocinar" ou "persuadir": não pode coagir ou punir. Pois Mill acrescenta: "A única razão legítima pela qual um estado pode usar força contra um de seus membros, contra a vontade deles, é para prevenir que o mal seja feito aos outros." O poder político correspondente à liberdade dos Modernos é, portanto, um poder limitado: "Deixe a autoridade limitar-se a ser justa, nós cuidaremos de nossa felicidade", proclama Benjamin Constant. Não cabe ao Estado nos dizer como ser felizes.
A Confusão Rousseauista
Segundo Constant, "a confusão desses dois tipos de liberdades tem sido, entre nós, durante épocas demasiadamente famosas de nossa revolução, a causa de muito mal." Jean-Jacques Rousseau, ao conceber a liberdade exclusivamente como a participação coletiva dos cidadãos na ação política, incentivou Robespierre a constranger os cidadãos através do terror. Os desacertos da Revolução são, assim, o resultado da aplicação moderna de princípios políticos válidos entre os antigos.
Mas isso não significa sacrificar a liberdade política, a participação no poder. Constant especifica que, se a liberdade moderna difere da liberdade antiga, ela é ameaçada por um perigo de um tipo diferente. O perigo da liberdade dos antigos era a arbitrariedade. O perigo da liberdade dos Modernos seria renunciar às garantias políticas dessa liberdade por meio de uma espécie de indiferença ao bem público. Em outras palavras, cabe aos cidadãos exercer uma vigilância permanente sobre seus representantes.
De fato, em seus Princípios de Política, Benjamin Constant afirma:
A soberania do povo não é ilimitada, é circunscrita dentro dos limites traçados pela justiça e pelos direitos dos indivíduos. A vontade de um povo inteiro não pode tornar justo o que é injusto. Esta é uma nova crítica a Rousseau e ao Contrato Social: mesmo uma vontade geral está sujeita a limites, e ela não pode mudar o que está sob a lei natural. Existe um direito anterior e superior à autoridade política: é a lei natural. Este direito estabelece os limites do poder político e limita as liberdades individuais. Dizer que todo poder legítimo deve ser fundado na vontade geral não significa que tudo o que a vontade geral decide é legítimo. Constant alinha-se assim com a Declaração dos Direitos do Homem de 1789, Artigo II, que estipula que o Estado é instituído apenas para preservar os direitos naturais, isto é, liberdade, responsabilidade e propriedade. Existem, portanto, áreas nas quais o poder político não tem influência: moralidade e religião, mas também as ciências que estão sob a autoridade do conhecimento e, finalmente, a indústria, acrescenta Constant.
Liberdade Política e Liberdade Econômica
A liberdade política sem outras liberdades é apenas uma ilusão, segundo Benjamin Constant. A liberdade política é a liberdade de participar no exercício do poder. No entanto, o poder do povo ou das massas pode ser destrutivo das liberdades porque concede à maioria votante o direito de impor sua vontade a toda a sociedade, incluindo seus caprichos ou sua ideologia do momento: impostos confiscatórios sem compensação, imposição de um único pensamento, censura, repressão e terrorismo intelectual. É por isso que não pode haver verdadeira liberdade sem liberdades civis, incluindo a liberdade religiosa e a liberdade econômica. Benjamin Constant não separa o liberalismo político do liberalismo econômico:
Por quarenta anos, defendi o mesmo princípio, liberdade em tudo, na religião, na filosofia, na literatura, na indústria, na política: e por liberdade, entendo o triunfo da individualidade, tanto sobre a autoridade que governaria por despotismo quanto sobre as massas que reivindicam o direito de escravizar a minoria à maioria. O despotismo não tem direito. A maioria tem o direito de compelir a minoria a respeitar a ordem: mas tudo o que não perturba a ordem, tudo o que é apenas interno, como a opinião; tudo o que, na expressão da opinião, não prejudica os outros, seja provocando violência material ou opondo-se a uma expressão contrária; tudo o que, em termos de indústria, permite que a indústria rival opere livremente, é individual e não pode ser legitimamente submetido ao poder social.
Em outras palavras, em uma sociedade livre, é necessário estabelecer um limite estrito entre a esfera pública e a esfera privada. O princípio deste limite reside em não prejudicar os outros, isto é, não infringir sua propriedade.
Forças e Fraquezas da Democracia
Alexis de Tocqueville foi um observador atento da democracia e um crítico do individualismo democrático.
A análise de Tocqueville sobre a democracia essencialmente estende a distinção feita por Constant entre a liberdade dos Antigos e a dos Modernos. Em um artigo de 1836 (Estado Social e Político da França Antes e Depois de 1789), Tocqueville compara metodicamente a liberdade aristocrática com a liberdade democrática. A primeira é definida como "O gozo de um privilégio", e Tocqueville cita o exemplo do cidadão romano que deriva sua liberdade não da natureza, mas de seu pertencimento a Roma. O segundo conceito, que é "a noção correta de liberdade", consiste em um "direito igual e inalienável de viver independentemente dos seus pares". Esta noção moderna de liberdade, portanto, não é como a primeira uma noção política; ela é baseada na lei natural e é "correta" porque se estende igualmente a todo homem. Está escrito: De acordo com a noção moderna, a noção democrática, e eu ousaria dizer a noção correta de liberdade, todo homem, presumindo-se que tenha recebido da natureza o esclarecimento necessário para conduzir-se, traz ao nascer um direito igual e inalienável de viver independentemente de seus pares, em tudo que diz respeito apenas a si mesmo, e de regular como achar melhor o seu próprio destino. Tocqueville é cuidadoso ao identificar todos os efeitos políticos e culturais dessa nova maneira de ser, tipicamente moderna. Admirador de Pascal, ele visa retratar a grandeza e as misérias da democracia.
Em 1841 em Democracia na América, ele analisa esse princípio democrático que se afirma na equalização das condições contra a hierarquia das classes e a autoridade das tradições. E observa que esse processo acompanha logicamente a dissolução das influências sociais, os laços de dependência, e atomiza o vínculo social, ameaçando assim o próprio exercício da liberdade e da responsabilidade política do cidadão. Além disso, a perda dos grandes ideais antigos (virtude, o bem comum) leva ao empobrecimento do significado da vida, "aos pequenos e vulgares prazeres", ao tédio e ao mal-estar.
De fato, a igualdade de condição, que caracteriza a democracia, significa que cada pessoa tende a se retrair para si mesma, sem um vínculo que as una aos outros. A independência individual que essa nova liberdade consagra torna difícil o exercício das virtudes cívicas ao fomentar a indiferença ao bem público. Como resultado, as democracias modernas expõem-se ao "despotismo suave e regular" do estatismo, essa nova forma de servidão tornada possível pelo crescente desinteresse do povo pela vida política. A democracia, assim, tende simetricamente para dois excessos que se alimentam mutuamente:
Por um lado, o individualismo, isto é, o "desinteresse pelos assuntos públicos" e "o amor pelos prazeres materiais". Tocqueville define o individualismo precisamente como um sentimento de autossuficiência que leva o cidadão a isolar-se dos outros e a retrair-se para si mesmo. Isso é narcisismo hedonista.
E, por outro lado, o estatismo, que destrói os indivíduos ao mantê-los em estado de infância. O Estado "trabalha de bom grado para a felicidade deles, mas quer ser o único agente." De fato, a equalização é acompanhada por uma maior fragilidade dos indivíduos que se tornam isolados e separados uns dos outros. Para evitar a anarquia e proteger seus bens, eles dependem de um poder único e central ao qual delegam todos os seus direitos. Portanto, segundo Tocqueville, é necessário desenvolver associações civis e "democracia local" para manter contrapoderes e, assim, lutar contra tanto o individualismo quanto o despotismo, ambos assassinos da liberdade.
O autor de Democracia na América nos adverte:
De fato, há uma paixão nobre e legítima pela igualdade que excita os homens a quererem ser todos fortes e estimados. Essa paixão tende a elevar os pequenos à posição dos grandes; mas também existe no coração humano um gosto depravado pela igualdade, que leva os fracos a quererem rebaixar os fortes ao seu nível, e que reduz os homens a preferirem a igualdade na servidão à desigualdade na liberdade. (...) As nações dos nossos dias não podem fazer com que as condições entre elas não sejam iguais; mas cabe a elas decidir se a igualdade as levará à servidão ou à liberdade, à iluminação ou à barbárie, à prosperidade ou à miséria. Para Tocqueville, o homem é muito mais atraído pela igualdade do que pela liberdade. E ele vê isso como um grande perigo para a democracia. Por que o homem prefere a paixão pela igualdade entre as duas? Porque a liberdade produz custos diretamente visíveis, e seus benefícios são mais distantes, inscritos a longo prazo (a liberdade não fornece conteúdo, apenas a capacidade de buscar a felicidade de acordo com o próprio julgamento). Por outro lado, a igualdade traz resultados positivos imediatamente visíveis e seus defeitos só se revelam a longo prazo.
O Direito ao Trabalho
O direito ao trabalho é um bom exemplo dos desvios do igualitarismo democrático. Em um discurso à Assembleia Constituinte em 1848, Tocqueville posicionou-se contra o direito ao trabalho no projeto de constituição. Se o Estado se compromete a fornecer trabalho para todos os trabalhadores, argumentou ele, ou se garante que eles sempre o encontrem no mercado de trabalho, como querem os socialistas, será levado a se tornar "o grande e único organizador do trabalho."
Neste discurso, Tocqueville compara o socialismo ao Ancien Régime, para quem "seus súditos são seres enfermos e fracos que devem sempre ser segurados pela mão, para que não caiam ou se machuquem." O socialismo é assim "uma nova forma de servidão" por três razões:
Moralmente, o socialismo promove a irresponsabilidade por meio de seu controle estatal diretivo e coletivista. É sempre caracterizado por "um profundo desprezo pelo indivíduo como tal."
Politicamente, é despótico porque, em nome da felicidade, busca tornar-se "o mestre de cada homem, seu tutor e seu educador."
Economicamente, é ineficiente porque elimina a competição por meio de suas regulamentações e sua rejeição à propriedade privada.
A Lei e Seus Abusos
O que Frédéric Bastiat pensava sobre a democracia? Ele respondeu já em 1846:
Eu sou a favor da democracia, se por essa palavra você entende: A cada um a propriedade de seu trabalho, liberdade para todos, igualdade para todos, justiça para todos e paz entre todos. (Comércio Livre).
Mas em 1848, após a revolução de fevereiro, Bastiat foi eleito deputado das Landes em uma assembleia onde os socialistas fizeram uma entrada triunfante. Estes últimos só exigiam uma coisa: que a lei consagrasse o princípio da fraternidade. Em outras palavras, aprovar leis para fornecer trabalho, educação e saúde para todos.
Sob o reinado das ideias socialistas, Bastiat observou que a máquina eleitoral era usada para saquear o dinheiro público, assim o cidadão:
As finanças públicas não demorarão a cair em completo desarranjo. Como poderia ser de outra forma quando o Estado é encarregado de prover tudo para todos? O povo será esmagado por impostos, o empréstimo seguirá o empréstimo; após ter esgotado o presente, o futuro será devorado. Finalmente, como será aceito em princípio que o Estado é responsável por criar fraternidade em favor dos cidadãos, todo o povo será transformado em peticionários. Propriedade da terra, agricultura, indústria, comércio, marinha, empresas industriais, tudo se agitará para reivindicar os favores do Estado. O tesouro público será literalmente saqueado. (Justiça e Fraternidade)
O Estado então se torna, segundo as palavras de Bastiat,
a grande ficção por meio da qual todos tentam viver às custas de todos os outros. (O Estado) Bastiat também desenvolve a ideia de que o conflito surge quando a lei se desvia de seu papel legítimo. Em seu famoso panfleto A Lei, ele demonstra por que e como a lei se tornou "o campo de batalha de toda a ganância", significando uma fonte de privilégios, rendas situacionais e tributação arbitrária. Assim que é admitido em princípio que a lei pode ser desviada de sua verdadeira missão, que pode violar propriedades em vez de garantir-las, uma luta de classes segue necessariamente, seja para defender contra a espoliação ou para organizá-la em benefício próprio.
Nos casos em que a lei apenas reforça os direitos de cada indivíduo e garante "a organização coletiva do direito individual à legítima defesa," ninguém está em posição de explorá-la para seu próprio benefício às custas de todos, a tal ponto que a própria forma de governo se torna uma questão secundária.
É somente quando a lei excede seus limites legítimos que o legislador se torna corruptível. Isso então leva a uma luta feroz entre vários interesses categóricos, todos ansiosos para capturar o aparato legislativo a fim de obter privilégios que são, por definição, espoliatórios.
Segundo Bastiat, a democracia socialista leva a um déficit permanente nos orçamentos e, finalmente, à violência. De fato, ao multiplicar incansavelmente promessas e sendo incapaz de cumpri-las, a máquina eleitoral desenvolve uma amargura que prepara o terreno para revoluções. Ele escreve:
Mas se o governo se encarrega de aumentar e regular os salários e não consegue fazê-lo; se se encarrega de assistir a todas as desgraças e não consegue fazê-lo; se se encarrega de fornecer pensões para todos os trabalhadores e não consegue fazê-lo... não vemos que, ao final de cada decepção, infelizmente! mais do que provável, há uma revolução igualmente inevitável? (A Lei)
Conclusão de Bastiat: Olhe para o globo. Quais são os povos mais felizes, mais morais e mais pacíficos? Aqueles onde a Lei intervém menos na atividade privada; onde o governo é menos sentido; onde a individualidade tem mais resiliência e a opinião pública mais influência; onde os mecanismos administrativos são os menos numerosos e menos complicados; os impostos menos onerosos e menos desiguais; o descontentamento popular menos provocado e menos justificável; onde a responsabilidade de indivíduos e classes é mais ativa, e onde, consequentemente, se os costumes não são perfeitos, tendem inexoravelmente a se corrigir; onde transações, acordos, associações são menos impedidos; onde o trabalho, o capital e a população sofrem os menores deslocamentos artificiais (A Lei)
A Crítica Marxista ao Capitalismo
Foi durante o século 19 que a crítica ao capitalismo, e em particular a crítica marxista, emergiu.
Qual o valor do direito de falar, escrever e votar, exclamou Marx, se a vida
cotidiana é uma luta pela sobrevivência? Além de um certo limiar, a pobreza equivale
à servidão. A ordem social beneficia a todos apenas se o princípio de uma distribuição
justa de bens for aplicado. Foi essa crítica ao liberalismo que levou Marx a
considerar a necessidade de um controle racional e planejado da ordem social.
A partir de então, o estado mínimo dos liberais deve ser sucedido por um estado
forte capaz de estabelecer uma igualdade real, que, segundo Marx, vai até a abolição
da propriedade privada e sua coletivização. Em uma versão mais suavizada, "democracia
social", o estado é solicitado a garantir não apenas os direitos abstratos do
homem, mas os direitos concretos do homem. Novos direitos são criados, direitos
sociais e econômicos, garantidos pelo estado: o direito ao trabalho, o direito
à habitação, o direito à saúde (gratuita), o direito à educação (gratuita). 
O Mito do Estado Imparcial
A crítica fundamental que Marx faz ao liberalismo político, particularmente em seus primeiros escritos (Crítica da Filosofia do Direito de Hegel e Sobre a Questão Judaica), foca na separação entre a sociedade civil e o estado. Esta crítica deve ser entendida dentro do quadro geral de sua interpretação da "Revolução Burguesa". É esta revolução que leva à formação de um estado separado da sociedade civil, que supostamente visa o universal, significando o interesse comum, ao desempenhar o papel de um árbitro imparcial.
No entanto, tudo isso é, para Marx, apenas uma aparência enganosa. Na realidade, o estado não é nada além de um instrumento destinado a servir os interesses particulares da classe dominante. Em outras palavras, o estado não é imparcial; não está separado da sociedade civil. Na verdade, o estado liberal é o local de uma dupla ilusão. A ilusão do universal, como acabamos de ver, e consequentemente, a ilusão da emancipação. De fato, a Revolução emancipou o cidadão instituindo a soberania popular e a igualdade perante a lei, mas essa liberdade e igualdade permanecem puramente ideais e abstratas. É falso, diz Marx, pensar, como Rousseau ou Hegel, que o homem realiza plenamente sua natureza racional ao se tornar um cidadão. Na realidade, pode-se tornar um cidadão e permanecer explorado, escravizado, abandonado aos caprichos dos desejos, à anarquia do egoísmo e à lei do mais forte.
A emancipação do cidadão, segundo Marx, não significa de forma alguma a emancipação do homem, como sugere a Declaração de 1789, mas sim o triunfo do individualismo destrutivo e, portanto, da desigualdade. A liberdade como o poder de fazer qualquer coisa que não prejudique os outros, um pilar dos direitos humanos, é uma liberdade puramente negativa que não estabelece uma relação entre os homens, mas, ao contrário, promove sua separação, seu antagonismo e, em última análise, sua servidão. A liberdade dos direitos humanos é uma liberdade formal.
Esta ilusão política do liberalismo é o lado secular da ilusão religiosa, acrescenta Marx. A fórmula é bem conhecida: "a religião é o ópio do povo". A religião é um consolo, proporciona euforia e promete emancipação na vida após a morte. Mas desvia o homem de sua verdadeira emancipação aqui na terra. A cidadania é, em relação à atividade do trabalhador, como o reino de Deus em relação à existência miserável nesta terra. Nunca é realizada. Esta dupla separação constitui uma dupla alienação, significando o não cumprimento pelo homem de sua humanidade ou sua realização imaginária.
Alienação Econômica
De fato, para Marx e de acordo com o materialismo histórico, é a alienação
econômica que está na raiz da alienação política, bem como da alienação
religiosa. Na alienação econômica, resultado do capitalismo (definido como a
propriedade privada dos meios de produção), o trabalhador é forçado a vender
sua força de trabalho como uma mercadoria. Além disso, ele é privado do
produto de seu trabalho, que é propriedade do empregador. Ele é, assim,
alienado, significando separado de si mesmo porque seu trabalho se torna
algo estranho a ele que ele executa por força, para sobreviver. No entanto,
o trabalho, para Marx, é o ato quintessencialmente humano, aquele através do
qual a própria essência do homem, a saber, a liberdade, é realizada. É por
isso que a libertação do trabalho também significa restaurar o homem à sua
dignidade e humanidade.
A revolução política é, portanto, uma ilusão, segundo ele, enquanto não for acompanhada por uma revolução econômica e social capaz de libertar o homem da servidão capitalista e, assim, alcançar a unidade entre o trabalhador e o cidadão, entre a sociedade e o estado, a esfera privada e a esfera pública. A liberdade formal e a igualdade do cidadão se tornarão, assim, reais, em uma sociedade sem classes.
A Crítica Austríaca ao Marxismo
A Escola Austríaca de Economia, fundada por Carl Menger no final do século 19, se opôs às teorias de Karl Marx desde o início.
A Luta de Classes
Os economistas austríacos rejeitam a noção marxista de luta de classes, segundo a qual o conflito entre a classe capitalista e a classe trabalhadora seria inevitável e seria o motor da mudança social.
Toda mudança social é possível apenas através das ações de indivíduos e não de forças sociais abstratas como classes.
Os austríacos argumentam que a sociedade não está dividida em duas classes antagônicas, mas sim composta por indivíduos com interesses e necessidades diversas. Eles enfatizam que as relações econômicas entre indivíduos são geralmente mutuamente benéficas, e não baseadas em exploração.
Por exemplo, um empregador contrata um trabalhador porque precisa de suas
habilidades para produzir um bem ou serviço que os consumidores desejam. O
trabalhador, por sua vez, aceita o emprego porque precisa de uma renda para
atender às suas necessidades. Essa relação é mutuamente benéfica, e não
conflituosa. Ludwig von Mises destaca que Marx falhou em distinguir entre o
que pertence à ideologia burguesa em direitos humanos e o que eles
significam na prática, as convulsões que acarretam na vida social. Muitos
pensadores críticos dos direitos humanos cometeram o mesmo erro. Isso também
foi o caso de contrarrevolucionários, como Joseph de Maistre ou Louis de
Bonald. 
Em A Ética da Liberdade e Anatomia do Estado, Murray Rothbard explicou que a exploração só faz sentido como uma agressão contra a propriedade privada e que apenas o Estado obtém suas receitas através da agressão, ou seja, através da tributação, dívida, impressão de dinheiro, e assim por meio da inflação. Na realidade, é a intervenção estatal, e não a luta de classes, que é a fonte de violência e conflitos na sociedade. O Estado, ao apropriar-se de recursos e regular a economia, cria distorções e injustiças que levam a conflitos e repressão. Acabar com a exploração, portanto, requer reduzir os poderes da casta predatória: o Estado. Neste ponto, veja também: Marxist and Austrian Class Analysis, Hans Hermann Hoppe, Journal of Libertarian Studies, Vol IX No. 2, Outono de 1990. Tradução por François Guillaumat. Incluído como Capítulo 4 de The Economics and Ethics of Private Property (Boston: Kluwer Academic Publishers, 1993).
Polilogismo
O conceito de luta de classes também pode levar à ideia de que tudo é permitido. Marx argumentou que noções de bem, mal, justiça, direito, verdade, eram relativas às classes. A razão humana, ele afirmava, é congenitamente incapaz de encontrar a verdade. A estrutura lógica da mente difere de acordo com as classes sociais. Não existe uma lógica universalmente válida.
Mises cunhou o termo "polilogismo" para explicar esse sofisma. "Poly" significa muitos e "logismo" refere-se ao discurso racional e lógica. Segundo Marx, haveria várias lógicas incompatíveis, a dos proletários e a da burguesia.
No entanto, até meados do século XIX, ninguém ousou contestar o fato de que a estrutura lógica da mente era idêntica e comum a todos os seres humanos. Todas as relações humanas são baseadas na suposição de uma estrutura lógica uniforme. As pessoas podem se engajar em discussão porque podem apelar para algo comum a todos, ou seja, a estrutura lógica da razão.
Mises escreve: Marx e os marxistas (...) ensinaram que o pensamento é determinado pela situação de classe do pensador. O que o pensamento produz não é a verdade, mas ideologias. No contexto da filosofia marxista, essa palavra significa um disfarce do interesse egoísta da classe à qual o indivíduo pensante pertence. É por isso que é inútil discutir qualquer coisa com pessoas de outra classe social. Ideologias não precisam ser refutadas por raciocínio dedutivo; elas devem ser desmascaradas denunciando a situação de classe, o contexto social de seus autores. Assim, os marxistas não discutem os méritos das teorias físicas; eles simplesmente revelam a origem burguesa dos físicos. (The Omnipotent Government).
Aos olhos dos marxistas, Ricardo, Freud, Bergson e Einstein estão errados porque são burgueses. Assim, os marxistas afirmam que a estrutura lógica da mente seria diferente dependendo da pertença de classe. Cada classe teria sua própria lógica e, portanto, sua própria economia, matemática, física, e assim por diante. A única lógica e a única ciência exata, correta e eterna seriam as dos marxistas.
É por isso que Georges Sorel, o importador do marxismo para a França, diria que a violência é benéfica, desde que seja "proletária". Não surpreendentemente, o mesmo raciocínio é encontrado nos escritos de Lenin e, depois, Trotsky. Uma vez que a moralidade e a lei clássicas são invenções da classe dominante, tudo é permitido.
Trabalho e Lucro
Os austríacos afirmam que a teoria do valor-trabalho de Marx, segundo a qual o valor de uma mercadoria é determinado pela quantidade de trabalho necessária para sua produção, está equivocada. Eles argumentam que o valor é subjetivo e determinado pelas preferências do consumidor, não pelos custos de produção.
Eugen von Böhm-Bawerk, um dos primeiros economistas austríacos, criticou a teoria
do valor-trabalho de Marx em sua obra Wert, Kapital und Zins (1886).
Böhm-Bawerk argumentou que a teoria de Marx estava baseada em um erro fundamental,
a saber, que todas as unidades de trabalho são idênticas. Na realidade, ele argumentou,
alguns trabalhos são mais árduos ou mais produtivos que outros, e isso é o que
determina o valor de uma mercadoria. Quanto à teoria do lucro, Marx argumentou
que o lucro é uma forma de roubo. É o conceito de exploração, segundo o qual
os capitalistas extraem um excedente de valor injusto do trabalho dos trabalhadores.
Os austríacos refutam essa ideia argumentando que os salários são determinados
pelo valor que os trabalhadores trazem para as empresas, e que os lucros são
a recompensa para os empreendedores que assumem riscos e investem de forma eficiente.
O lucro é, portanto, uma recompensa para o empreendedor que assume riscos e investe
em novos produtos e processos. Friedrich Hayek desenvolveu uma teoria do lucro
baseada no conceito de incerteza, que tem suas raízes notavelmente no trabalho
de Jean-Baptiste Say. Segundo Hayek, os empreendedores obtêm lucro porque são
capazes de prever melhor as futuras necessidades dos consumidores do que outros
atores econômicos.
A Impossibilidade do Cálculo Econômico
Os marxistas acreditam que o socialismo, um sistema econômico no qual os meios de produção são de propriedade e controlados pelos trabalhadores, é inevitavelmente superior ao capitalismo. Os austríacos, por outro lado, afirmam que o socialismo é impossível de ser alcançado na prática, pois exigiria um grau irrealista de planejamento central.
Já em 1922, em seu livro Socialismo, Ludwig von Mises demonstrou que o socialismo levaria a escassez generalizada, pois os planejadores centrais não seriam capazes de fazer cálculos econômicos precisos sem o sistema de preços fornecido pelo mercado.
O Caminho para a Servidão
Alarmado com o aumento do intervencionismo governamental nas economias das democracias ocidentais, Hayek escreveu O Caminho para a Servidão como uma crítica filosófica ao coletivismo, seja da direita ou da esquerda. Publicado em vários milhões de cópias, graças ao Reader’s Digest, este livro contribuiu grandemente para a fama de Hayek nos Estados Unidos.
O Encanto do Coletivismo
Escrito entre 1940 e 1943, este breve ensaio visa fornecer uma avaliação inicial dos experimentos dirigistas tentados na segunda metade da década de 1930: as nacionalizações e a gestão keynesiana da demanda que se firmaram na Europa social-democrata e na América do New Deal. Dedicado aos "socialistas de todos os partidos", busca demonstrar que "o Ocidente abandonou gradualmente o princípio da liberdade econômica sem o qual nenhuma liberdade individual ou política foi anteriormente possível." De fato, o mesmo processo de centralização política e o mesmo desejo de substituir uma organização dirigista pelos mecanismos tradicionais do mercado são encontrados em todos os lugares. Na Grã-Bretanha como nos Estados Unidos, afirma-se que o poder público deve planejar tudo e pode resolver tudo.
Quanto ao liberalismo autêntico, ele se preocupa com a justiça. Mas Hayek nos lembra que cabe à sociedade civil, e não ao Estado, organizar essa solidariedade. O que diferencia o liberalismo do socialismo não são os fins, mas os meios. Segundo Hayek,
O liberalismo quer que façamos o melhor uso possível das forças da competição como meio de coordenar os esforços humanos; ele não quer que deixemos as coisas como estão. É por isso que, Hayek acrescenta, o Estado tem uma área inegável de atividade: Criar as condições nas quais a competição será tão eficaz quanto possível, substituí-la onde não pode ser eficaz, fornecer serviços que são de tal natureza que o lucro, segundo a fórmula de Smith, não pode reembolsar o custo a qualquer grupo.
Por outro lado, o planejamento da economia e da sociedade em geral, a essência do socialismo, é direcionado contra a competição como tal. No entanto, segundo Hayek, existe uma incompatibilidade entre os fins do socialismo (justiça social, igualdade e segurança) e os meios previstos pelo socialismo para alcançá-los (abolição da propriedade privada, coletivização dos meios de produção, economia planejada).
As Raízes Socialistas do Nazismo
Desde as primeiras páginas, Hayek estabelece um paralelo entre o triunfo dos ideais socialistas no Ocidente e o sucesso concorrente das utopias totalitárias.
Poucas pessoas, ele adverte em seu prefácio, estão dispostas a reconhecer que a ascensão do fascismo e do nazismo não foi uma reação contra as tendências (...) do período anterior, mas um resultado inevitável dessas tendências. Isso é algo que a maioria das pessoas se recusou a ver, mesmo no momento em que perceberam a semelhança oferecida por certos traços negativos dos regimes domésticos da Rússia Comunista e da Alemanha Nazista. O resultado é que muitas pessoas que se consideram muito acima das aberrações do nazismo e que sinceramente odeiam todas as suas manifestações, estão ao mesmo tempo trabalhando por ideais cuja realização levaria diretamente a essa tirania abominada. Segundo Hayek, o socialismo e o nazismo compartilham uma série de fundamentos comuns, particularmente a rejeição do individualismo e da ordem espontânea do mercado. Ambas as ideologias priorizam o bem-estar do grupo sobre os direitos e liberdades dos indivíduos e buscam criar uma sociedade homogênea unida por valores e objetivos comuns. Nem socialistas nem nazistas hesitam em usar força e coerção para alcançar seus objetivos. Eles estão dispostos a suprimir as liberdades individuais e reprimir a dissidência em nome do bem maior da sociedade. No capítulo intitulado "As Raízes Socialistas do Nazismo", Hayek aponta que o nazismo reivindica o planejamento socialista (daí seu nome, nacional-socialismo) da economia como meio de estabelecer controle total sobre a população.
Socialistas alemães e italianos apenas pavimentaram o caminho para o nazismo, estabelecendo partidos políticos que dirigiam todas as atividades do indivíduo, do nascimento à morte, ditando suas opiniões sobre tudo. Não foram os fascistas, mas os socialistas que começaram a regimentar crianças em organizações políticas, a controlar suas vidas privadas e seus pensamentos.
Os nazistas simplesmente adotaram o discurso estatista, dirigista e intervencionista já popularizado pelos marxistas. Muitos líderes fascistas, como Mussolini na Itália, Laval na França e Oswald Mosley na Grã-Bretanha, iniciaram suas carreiras políticas como ativistas de esquerda antes de se converterem ao fascismo ou hitlerismo, devido à proximidade ideológica.
Em conclusão, Hayek apela aos seus contemporâneos para que se afastem da "loucura" e do "obscurantismo contemporâneo" para livrar a humanidade dos "erros que dominaram nossas vidas no passado recente". Segundo ele, a melhor garantia de liberdade é a propriedade privada. Quando todos os meios de produção estão concentrados nas mãos de poucos organizadores, estamos sujeitos ao poder total, porque esse poder econômico se torna um instrumento político de controle sobre nossas vidas inteiras.
A Ascensão do Estado de Bem-Estar Social no Século 20
O Triunfo de Keynes
O capitalismo é frequentemente acusado de ser a fonte da injunção: "devemos sempre produzir mais", ou da fórmula: "consumir é bom para o crescimento". No entanto, essas ideias não se originam do capitalismo tradicional, mas do Keynesianismo, que dominou o campo da ciência econômica e a classe política desde a década de 1930.
A Análise da Crise de 1929
Publicado em 1936, o livro de John Maynard Keynes: The General Theory of Employment, Interest, and Money (A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda), varreu tudo em seu caminho. Questionando as causas da Grande Depressão e os meios para emergir dela, ele descreve um novo paradigma econômico, que converteria gerações de economistas e políticos.
Para resumir amplamente, o gasto público produz crescimento e para apoiar o déficit orçamentário, uma política monetária de baixas taxas de juros deve ser implementada. Assim, inicialmente, o aumento discricionário nos gastos públicos teria um efeito multiplicador na atividade econômica, capaz de limitar a recessão e acelerar a recuperação. Então, em uma segunda fase, o dinheiro seria considerado como um instrumento de política econômica a ser usado pelas autoridades públicas com o propósito de estabilização macroeconômica.
Keynesianismo é, portanto, a reivindicação de fornecer os meios para um forte crescimento e pleno emprego através do gasto público e do consumo. E este plano de crescimento é baseado no controle do dinheiro.
De fato, segundo Keynes, as economias de longo prazo são um freio ao consumo e, portanto, ao crescimento. O dinheiro deve, portanto, perder seu poder de compra ao longo do tempo para incentivar os indivíduos a consumir mais e mais rapidamente, o que é bom para a economia. Na lógica keynesiana de políticas de estímulo, o principal inimigo é a poupança.
Segundo Keynes, esse inimigo pode ser combatido com liquidez de baixo interesse. É por isso que os bancos centrais devem monopolizar e controlar o dinheiro.
Com Keynes, o século 20 tornou-se o século da confiança em especialistas e no planejamento. Os engenheiros sociais no comando do governo e da política monetária podem puxar alavancas que supostamente restauram a prosperidade, uma vez que possuem uma visão macroeconômica do mundo.
O Legado Controverso de Keynes
Para Keynes, a intervenção estatal é necessária para estimular a demanda e reiniciar o motor econômico. Esta doutrina triunfou em universidades e livros didáticos. No entanto, a intervenção estatal tem suas falhas e pode exacerbar crises a longo prazo em vez de resolvê-las.
É por isso que alguns economistas, em minoria, criticam Keynes por seu curto-prazismo e defendem um retorno aos mecanismos de mercado como uma alternativa melhor à intervenção estatal. Assim, Friedrich Hayek explicou que a redução contínua das taxas de juros pelos bancos centrais e a expansão artificial do crédito só poderiam enganar os atores econômicos, fazendo-os investir como se muitos recursos poupados existissem (já que as taxas de juros naturalmente diminuem em resposta a um aumento na poupança). Essa alocação incorreta de recursos então alimenta uma ascensão artificial no crescimento, uma bolha, que é seguida por uma recessão brutal. É essa contribuição para a teoria dos ciclos que rendeu a Hayek o Prêmio Nobel de Economia em 1974. Junto com outros, ele também destacou o perigo de centralizar e manipular a moeda. Este é notavelmente o caso do francês Jacques Rueff, também discípulo e amigo de Ludwig von Mises.
Formando-se na École Polytechnique em 1919, Rueff teve uma carreira como alto
funcionário público e foi conselheiro econômico de diversos governos nas décadas
de 1920 e 1930. Sua principal obra surgiu em 1945: L’ordre social (A Ordem Social), na qual ele desenvolve um argumento poderoso a favor do
mercado livre, sob pontos de vista econômico, filosófico e moral. 
Este livro inclui um capítulo chave intitulado: "Moeda Saudável ou Estado Totalitário". Neste capítulo, ele desenvolve duas proposições. A primeira: "Moeda falsa gera desordem social". A segunda proposição decorre da primeira: "Desordem social gera escravidão social". Moeda falsa é a moeda de papel, desconectada de qualquer realidade física e manipulada pelo poder dominante. Desordem social é a inflação e o consumismo resultantes disso. Escravidão social é a dependência da sociedade em relação ao estado, a perda de toda autonomia financeira, moral e política.
Em 1947, cinco anos após a tradução francesa de A Teoria Geral, ele publicou um artigo intitulado: Os Erros da Teoria Geral do Lord Keynes. Ele emitiu os seguintes avisos: É provável que o próximo período de depressão leve à aplicação generalizada da política sugerida por Lord Keynes ao redor do mundo. Não tenho medo de estar errado ao afirmar que esta política só reduzirá o desemprego em pequena medida, mas terá consequências profundas na evolução dos países nos quais será aplicada. (...) Por causa de Lord Keynes, o próximo ciclo será uma oportunidade para mudanças políticas profundas, que alguns esperam, enquanto outros temem. De qualquer forma, baseando-se em uma teoria falsa, os remédios que serão implementados terão repercussões profundamente diferentes daquelas que se pretendia promover. Sua ineficácia será, para grande parte da opinião pública, uma nova razão para exigir a substituição de um regime que, ao negar-se, terá se destruído. A partir de 1958, uma política para retificar a economia francesa, inspirada por Jacques Rueff, será conduzida sob a autoridade do General de Gaulle. Isso levará às famosas "Trinta Gloriosas" (Trente Glorieuses).
Em O Pecado Monetário do Ocidente, em 1971, Rueff escreve:
É através do déficit orçamentário que os homens perdem sua liberdade.
Ele acrescenta: "Inflação é subsidiar despesas que não rendem nada com dinheiro que não existe." Segundo ele: "Poder-se-ia pensar, observando a evolução do sistema monetário internacional, que o Ocidente está aplicando o conselho de Lenin, segundo o qual: Para destruir o regime burguês, basta corromper sua moeda.
Em 1976, ele ataca o Keynesianismo pela última vez em um artigo para o jornal Le Monde. Nenhuma religião se espalhou pelo mundo tão rapidamente quanto a do emprego. Impulsionada pela memória das tragédias do desemprego que devastaram a Inglaterra e a Alemanha durante a década de 1920, tornou-se o princípio mais importante, seja expresso ou implícito, da política econômica em quase todos os países do mundo. Ocultando seu propósito sob o disfarce inteligente e especioso da "teoria geral", elevada por discípulos entusiasmados e cegos ao status de uma bíblia de ação governamental, mascarou o verdadeiro rosto das políticas de inflação que cobriu. Por meio deste desvio, deu boa consciência aos governos que, tendo esgotado suas possibilidades de impostos e empréstimos, recorreram aos prazeres enganosos da criação monetária. (O Fim da Era Keynesiana ou: Quando o Longo Prazo Acabou, Euromoney, Abril de 1976, pp.70-7.)
Abandonando o Padrão Ouro
O dinheiro é uma ferramenta que permitiu aos humanos ir além do escambo, poupar e coordenar em grande escala através do mercado. Tornou possível a especialização do trabalho, vantagens comparativas, ganhos comerciais, cálculo econômico. Sem dinheiro, não há civilização moderna.
Ouro como o Padrão Global
E acontece que uma forma particular de dinheiro gradualmente se distinguiu dos outros para se tornar, ao longo dos séculos, o padrão global de referência, que é o ouro.
De fato, o ouro é uma moeda forte, difícil de produzir, custosa para falsificar. O mercado escolheu o ouro como a moeda mais confiável, mais durável e menos manipulável. A história mostra que, quando os indivíduos podem escolher a moeda que usam, tendem a escolher o ouro.
É por isso que, em Ação Humana, Ludwig von Mises escreve:
O padrão ouro foi o padrão mundial da era capitalista, de crescente prosperidade, liberdade e democracia […] Foi o padrão internacional que o comércio internacional e os mercados de capitais mundiais precisavam […] Levou indústria, capital e a civilização ocidental aos cantos mais remotos do planeta, criando riqueza anteriormente desconhecida. Mas o padrão ouro restringe os governos a financiar suas despesas por meio de impostos em vez de inflação, o que explica uma certa hostilidade das elites políticas e econômicas em relação a este sistema. Porque vincular a moeda a um metal precioso limita a capacidade dos bancos centrais de financiar o crescimento do estado de bem-estar social através do imposto indireto que é a inflação. É por isso que, já em 1923, Keynes declarou:
Na verdade, o padrão ouro já é um relíquia bárbara. (...) Os defensores do antigo padrão não percebem o quanto ele está agora distante do espírito e das necessidades dos novos tempos. (J.M. Keynes, Reforma Monetária).
O "Choque Nixon"
O sistema de Bretton Woods, projetado em 1944 e totalmente implementado em 1959, baseava-se tanto no ouro quanto no dólar, a única moeda conversível em ouro. Portanto, era necessário acumular dólares para poder obter ouro.
Naquela época, com a Guerra do Vietnã em particular, o aumento dos déficits governamentais
dos EUA levou muitos países estrangeiros, incluindo a França, a querer converter
seus dólares em ouro no FED. Em 15 de agosto de 1971, o presidente Nixon decidiu
cancelar a promessa de conversibilidade do dólar em ouro, criando assim a primeira
moeda inteiramente de papel na história dos Estados Unidos. A partir deste dia
pode ser datado o momento em que o dinheiro passou completamente para o controle
dos bancos centrais. Em uma entrevista, Richard Nixon teria afirmado:
Hoje, somos todos keynesianos.
De fato, para muitos economistas keynesianos, o abandono do padrão ouro deu aos governos a flexibilidade necessária para responder ou prevenir crises econômicas.
Segundo Alan Greenspan, ex-presidente do FED, o banco central americano, o padrão ouro é incompatível com a dívida estatal e o financiamento do estado de bem-estar social:
Sempre nutri nostalgia pela estabilidade de preços inerente ao padrão ouro; um câmbio estável era seu principal objetivo. Mas há muito tempo admiti que o padrão ouro não se adapta facilmente à visão predominante da função de um governo, notavelmente o dever de assegurar um sistema de seguridade social. […] A maioria dos americanos tolerou a inflação como o preço a pagar por ter um estado de bem-estar moderno. Não há mais defensores do padrão ouro, e vejo pouca possibilidade de seu retorno. (The Age of Turbulence). Ao contrário, para pessoas como Jacques Rueff, abandonar o metal precioso é um erro que só pode levar a uma diminuição contínua do poder de compra, acompanhada por uma diminuição nos padrões de vida, um aumento na desigualdade de renda e crescente instabilidade econômica.
Em fevereiro de 1965, durante uma coletiva de imprensa televisionada, o General de Gaulle, diretamente inspirado por Rueff, propôs um retorno ao padrão ouro. Ele declarou:
O ouro, que não muda sua natureza, que não tem nacionalidade, que é considerado, eterna e universalmente, como o valor inalterável por excelência.
Um mercado monetário sem monopólio estatal é possível
Em 1976, Hayek propôs uma alternativa ao monopólio estatal sobre a criação de moeda: a concorrência entre moedas. Em seu livro, Pour une vraie concurrence des monnaies (A Desnacionalização do Dinheiro), ele imaginou um mercado monetário sem monopólio estatal no qual várias moedas privadas existiriam. A criação e gestão de diferentes moedas por entidades privadas permitiria aos indivíduos escolher a moeda mais estável e confiável, incentivando assim a concorrência e a disciplina entre os emissores.
Ele escreve:
Enquanto não restaurarmos uma situação em que os governos (bem como outras autoridades públicas) saibam que, se gastarem demais, serão, como qualquer outro, incapazes de cumprir suas obrigações, não haverá pausa neste processo que, substituindo a atividade coletiva pela atividade privada, ameaça sufocar a iniciativa individual. Na atual democracia ilimitada, na qual o governo tem o poder de conceder benefícios materiais especiais a grupos específicos, é compelido a comprar o apoio de um número suficiente deles para constituir uma maioria. (Ch. XXI, Os efeitos das finanças e dos gastos públicos).
Para Hayek, a instabilidade passada da economia de mercado resulta do fato de que o regulador mais importante dos mecanismos de mercado, a saber, o dinheiro, não poderia ele mesmo ser o produto de um processo de mercado.
Hayek acreditava que um mercado livre de moedas privadas levaria a uma maior
estabilidade monetária. Quase 50 anos depois, uma criptomoeda como o Bitcoin
incorpora a visão competitiva de Hayek ao oferecer uma alternativa descentralizada
ao sistema monopolista dos bancos centrais. O Bitcoin, com seu limite de emissão
de 21 milhões de unidades, é uma garantia contra a inflação e a arbitrariedade
dos reguladores.
Avaliações & Notas
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Conclusão: o poder das ideias
A crise pela qual estamos passando é uma crise de civilização, ou seja, uma crise intelectual com consequências morais, políticas e econômicas.
Fala-se muito sobre a crise da política, o declínio da democracia parlamentar, do governo representativo e, portanto, da liberdade. Essa crise é atribuída de forma um tanto fácil ao capitalismo e à "ditadura dos mercados".
Esta situação é, na verdade, a consequência de uma mudança intelectual radical nas ideias. Desde o final do século XIX, a Europa abandonou as ideias que lhe permitiram tornar-se um continente próspero e iluminado. Por um tempo, sua filha mais velha, a América, resistiu aos ventos do coletivismo antes de ser também sobrecarregada por eles.
Em 1941, George Orwell fez esta avaliação:
Está claro que a era do capitalismo livre está chegando ao fim e que um país após o outro está adotando uma economia centralizada que pode ser chamada de socialismo ou capitalismo de estado, como você preferir. Neste sistema, a liberdade econômica do indivíduo e, em grande medida, sua liberdade em geral - liberdade de agir, escolher seu trabalho, se deslocar - desaparecem. É apenas muito recentemente que começamos a vislumbrar as implicações deste fenômeno. Anteriormente, nunca se havia imaginado que o desaparecimento da liberdade econômica pudesse afetar a liberdade intelectual. Geralmente se pensava que o socialismo era uma espécie de liberalismo aumentado com uma moral. O estado assumiria a responsabilidade pela sua vida econômica e o libertaria do medo da pobreza, desemprego, etc., mas não precisaria interferir na sua vida intelectual privada. Agora foi provado que essas visões eram falsas.
Mas, ao contrário do que os profetas do apocalipse anunciam, a civilização ocidental não está condenada a desaparecer no século 21. Ela não esgotou suas potencialidades. A liberdade ainda está por vir.
Foi isso que Murray Rothbard sugeriu em 1982: Agora experimentamos todas as variantes do estatismo, e todas falharam. Em todo o mundo ocidental no início do século 20, líderes empresariais, políticos e intelectuais começaram a pedir um sistema de economia mista "novo", de dominação estatal, no lugar do laissez-faire relativo do século anterior. Novas panaceias, atraentes à primeira vista, como o socialismo, o estado corporativista, o Estado de Bem-Estar-Guerra, etc., foram testadas e todas falharam evidentemente. Os argumentos a favor do socialismo e do planejamento estatal agora aparecem como apelos por um sistema envelhecido, exausto e fracassado. O que resta a ser tentado senão a liberdade? Em certo sentido, nossa situação é melhor do que no passado. Após os sucessivos fracassos de vários experimentos socialistas, comunistas e social-democratas, sabemos hoje como distinguir, melhor do que ontem, ideias verdadeiras de falsas. E ideias falsas podem ser refutadas e substituídas por verdadeiras. Como Mises disse: Tudo o que acontece na sociedade global em que vivemos é resultado de ideias. As boas e as ruins. O que é necessário é combater as ideias falsas. (...) Nossa civilização pode sobreviver, e deve. E sobreviverá graças a ideias melhores do que aquelas que governam o mundo hoje; e essas ideias melhores serão desenvolvidas pela geração emergente. (Economic Policy: Thoughts for Today and Tomorrow, 1979).
Seção final
Avaliações & Notas
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Exame final
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Conclusão
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